VIDA URBANA
'Novo CEA' está superlotado e serve comida estragada ao interno
Conselho Estadual de Direitos Humanos denuncia também o uso de choques e gás de pimenta como castigos. Local tem capacidade para 70 internos, mas abriga 185.
Publicado em 03/06/2015 às 11:58
Inaugurado há menos de dois anos como uma nova alternativa para ressocialização de adolescentes, o Centro Socioeducativo Edson Mota (CSE), localizado no bairro de Mangabeira, em João Pessoa, conhecido como novo CEA, já está superlotado, com mais do que o dobro da sua capacidade original. A denúncia foi divulgada pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH-PB). Além disso o órgão apontou outras graves irregularidades, como castigos arbitrários aos internos, o fornecimento de comida estragada e também o racionamento de água.
O CSE tem uma capacidade para abrigar 70 adolescentes, mas durante uma inspeção realizada entre 6 e 7 de abril o Conselho constatou que a unidade estava com 185 internos. Uma nova visita realizada no dia 26 de maio a situação continuava sem mudanças
Durante a inspeção, os conselheiros ouviram dos internos que agentes costumam agredi-los fisicamente com tapas, socos e chutes. Adolescentes de diversas alas denunciaram que existe um ritual de entrada, chamado de ‘batismo’ que “vai de tapas a verdadeiras sessões de torturas”.
Gás de pimenta, choque elétrico e algemas são medidas 'socioeducativas'
Outros relatos dão conta que, sobretudo, no período noturno, os agentes socioeducativos fariam uso de gás de pimenta, bastão retrátil e equipamento de choque elétrico. Segundo o Conselho, internos também relataram que são constantemente algemados ao serem conduzidos para audiências, atendimento médico, delegacias. Verificou-se que os agentes socioeducativos não são servidores da Fundac, mas terceirizados de uma empresa de segurança contratada.
Os conselheiros encontraram diversos adolescentes trancados nos alojamentos 'cumprindo medida', conforme é chamado o castigo que recebem quando são sancionados. Os períodos de reclusão podem durar até vários dias. Durante esse tempo, os adolescentes relataram que ficam sem visita e sem banho de sol. A motivação do “castigo” vai de porte de drogas, celular, agressões à indisciplina em geral. Os adolescentes também têm apenas 20 minutos, duas vezes ao dia para tomar banho, lavar roupa, toalha e lençóis.
A direção da unidade informou ao CEDH que ainda não tem regimento interno, nem comissão de avaliação disciplinar e que não há instauração formal de processo disciplinar com garantia de ampla defesa e contraditório.
Comida para cachorro
De acordo com o Conselho, todos os internos se queixaram da qualidade da alimentação. A própria direção informou que às vezes tem que devolvê-la, pois frequentemente chega estragada.
A unidade tem refeitório, mas a alimentação é feita nos blocos e distribuída pelos agentes no chão. Conforme o relatório de inspeção, os pratos com a comida são dispostos um em cima do outro, em caixotes de plástico abertos, expostos ao sol, à chuva e a todo tipo de inseto durante o transporte. “Parece que estão colocando comida para cachorro”, relatou um dos adolescentes, segundo o CEDH.
Recomendações
O CEDH-PB recomendou ao Estado da Paraíba que adote medidas imediatas para reduzir a superlotação da unidade vistoriada e que acabe com a terceirização da atividade de agente socioeducativo para empresa de segurança. Para tanto, o Conselho pede que o estado contrate, emergencialmente, agentes com a devida qualificação legal para o desempenho da atividade, e, em seguida, promova concurso público para a função.
Outra medida recomendada ao Estado e à Fundac é que assegurem o fornecimento de água aos internos durante 24 horas ao dia, restrinjam o uso de algemas às hipóteses legais justificadas e regularizem as aulas oferecidas aos reeducandos. Além disso a Fundac também deve abster-se de realizar revistas vexatórias nos visitantes, adquirindo equipamentos de raio-x ou adotando procedimentos como revista reversa (no interno, após a visita).
Quanto à alimentação, o Conselho recomendou que o estado e a Fundac regularizem o fornecimento das refeições aos internos, acompanhando diariamente a qualidade das marmitas enviadas pela empresa fornecedora. Devem também aplicar sanções à empresa quando enviar refeições estragadas, até mesmo com o cancelamento do contrato em caso de reiterados descumprimentos.
A Fundac ainda deve regularizar a aplicação de penalidades, mediante edição e divulgação de regimento interno disciplinar, criar a Comissão de Avaliação Disciplinar e aplicar penalidades apenas após a instauração formal de processo disciplinar, com garantia de ampla defesa e contraditório. O Conselho deu prazo de 30 dias para que o estado e Fundac comuniquem as providencias adotadas para o cumprimento das recomendações.
Investimento de R$ 9 milhões
Com um investimento de mais de R$ 9 milhões, o Centro Socioeducativo Edson Mota foi inaugurado em novembro de 2013. Na época, o governador Ricardo Coutinho afirmou que a unidade iria criar as condições adequadas para o trabalho de ressocialização dos jovens na sociedade.
A presidente da Fundac, Sandra Marrocos, também destacou a 'qualidade' da unidade durante a inauguração. “Estamos entregando à Paraíba um ambiente propício para a ressocialização, e essa obra vem para somar”, disse no dia.
O JORNAL DA PARAÍBA entrou em contato com a Fundac e o órgão ficou de se pronunciar sobre os problemas apontados pelo CEDH ainda nesta quarta-feira (3).
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