VIDA URBANA
Paraibanas se autoafirmam ao ostentar beleza natural dos cabelos
Ao deixar de lado químicas alisantes para exibirem fios cacheados e crespos, elas mostram que ato vai além da estética.
Publicado em 30/10/2016 às 15:00
Os 'caracóis' de um cabelo podem contar muitas histórias, como dizia Roberto Carlos. Histórias românticas e até mesmo histórias de luta e afirmação, com as que vêm sendo escritas pelas personagens que vamos apresentar. Fortes e decididas, elas resolveram deixar para trás todo um passado de alisamentos e demais processos químicos para assumir a beleza natural das madeixas, tornando-se, finalmente, livres para serem quem são.
É o caso da técnica administrativa Gláucia Pontes, de 37 anos. Ela conta que desde a infância teve que lidar com a pressão da família e de outras pessoas próximas para manter os fios presos ou lisos. Uma pressão, segundo ela, disfarçada de praticidade.
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“Antes dos 9 anos, eu já vivia com o cabelo preso. Meus olhinhos chegavam ficar a puxados, de tanto que o cabelo era esticado”, lembra. “Isso foi algo inserido na nossa cultura, essa coisa de que o crespo não é prático, não é bonito, não combina com as roupas. São coisas jogadas ao longo da nossa criação”, analisa.
E foram a inquietação pelos estereótipos e o cansaço por ter que se submeter a logas horas de alisamento nos salões que fizeram Gláucia refletir. Após pesquisar exemplos de pessoas que abandonaram as químicas de forma bem-sucedida e conversar com amigas, ela teve a certeza de que era aquilo que ela precisava para se sentir plena e mais saudável.
“Eu tinha decidido que passaria pela transição de seis meses, que é o tempo bom de crescimento para o cabelo, mas com três meses eu cortei bem baixinho mesmo, porque não queria mais aquele negócio me incomodando”, afirma, ressaltando que ficou surpresa com a força que a postura trouxe para seu dia a dia.
“É uma afirmação feminina e pessoal, de você se olhar e mostrar para a sociedade que precisa se impor. É algo que vai além da estética, é você passar na rua e ostentar seu cabelo natural, indo de contra a correnteza e ao que ditam”, explica.
Com a autoestima recuperada, Gláucia hoje consegue servir de modelo para pessoas que buscam a mesma coragem. Abordada frequentemente em espaços públicos, segundo ela, pelo ‘exotismo’ de seus fios, a técnica administrativa vem encontrando brechas para expor o que pensa sobre os padrões de beleza em vigor e auxiliar mães que não querem que suas filhas passem pelo mesmo que elas passaram no trato com o cabelo.
Além disso, para trocar ainda mais experiências, ela também passou a fazer parte de um grupo de mulheres criado para fortalecer a identidade negra e desconstruir os padrões que condicionam o feminino à imagem da mulher branca: o 'Cacheadas e Crespas de João Pessoa'. Criado no Facebook em 2014, o grupo reúne atualmente mais de 4 mil pessoas e conta com encontros anuais que englobam palestras e oficinas, segundo uma das coordenadoras, Joice Vieira.
“Desenvolvemos o trabalho primeiramente ligado à beleza exterior, que é o que mais incomoda as mulheres”, ressalta Joice. “Depois fazemos o trabalho da beleza interior, trazendo o assunto da nossa origem, da cultura e da aceitação”, acrescenta, enfatizando que os resultados positivos vêm sendo animadores. “Todo dia conseguimos fazer com que alguma pessoa volte à sua origem, ou seja, volte a ter os cabelos naturais”.
'Eu precisava me conhecer'
“Quando eu secava meu cabelo, ele quebrava demais porque não suportava a química”. É assim que a estudante Luaynná Moura, de 21 anos, relembra seu passado de alisamento, que começou há quase 10 anos, quando era criança. “Eu usava a progressiva, que é aquele sistema mais agressivo, e nunca havia pensado em assumir os meus cachos”, pontua.
De uma necessidade financeira foi que surgiu a ideia de abandonar o que causava tanto desconforto para apostar em algo novo. E, de acordo com ela, a aposta serviu não apenas como um marco de independência, mas como uma jornada de autodescoberta. “Eu precisava me conhecer, precisava conhecer meus cachos, porque eu não sabia como eu era sem a química, como eu era naturalmente”, revela.
Para o processo de transição entre o liso e o cacheado, Luaynná preferiu investir em cortes menos radicais, visando a eliminar aos poucos a química, sem que o visual tivesse mudanças drásticas. E a especialista que ajudou a estudante durante a transformação foi a cabeleireira Luzinete Marques, mais conhecida como Pretinha.
Conforme Pretinha, fora os cortes, que são uma das opções para a transição, é possível também usar temporariamente permanentes afro, para que a diferença entre os fios naturais e aqueles com substâncias alisantes não fique tão aparente. “Eu opto pelo permanente quando a pessoa não tem química em termo de selagem e sim a base de amônia”, diz. “Em alguns casos, porém, eu aconselho fazer tranças para ir mascarando essa diferença até que seja possível cortar”.
A profissional faz questão de frisar que, durante e depois da transição, os cuidados devem ser constantes. “Isso porque os cabelos afros são secos, muito sensíveis. Tem que ter um produto com uma massa mais pesada em questão de gordura, mais hidratação. Não é só cortar e ir embora do salão”, observa, destacando que o ideal é lavar completamente os cabelos crespos e cacheados de três em três dias, não esquecendo do leaving para finalizar.
Cabeleireira ressalta que cuidados com os cabelos cacheados e crespos devem ser frequentes. (Foto: Phillipe Xavier)
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