VIDA URBANA
Parando de fumar: livrar-se do vício requer comprometimento
Na Paraíba, 450 mil pessoas fumam. No Dia Mundial Contra o Tabaco, profissionais alertam que tabagista precisa ter vontade para superar dependência.
Publicado em 31/05/2015 às 16:00
“Agora em maio, estou completando dez meses sem fumar", comemora, sem disfarçar a alegria, o engenheiro agrônomo Wellington Soares da Silva. Foram 23 anos de vício, entradas no hospital com crises de hipertensão, fugidas da cama de madrugada para saciar a vontade incontrolável de fumar, intolerância indisfarçada das pessoas próximas que reclamavam do cheiro de fumo. "Cheguei a consumir 60 cigarros por dia", confessa sem muito orgulho. Mesmo assim, o cigarro estava lá, presente em todos os momentos. “Qualquer estresse, qualquer alegria – tudo era motivo pra eu descontar no cigarro”, conta.
Longe do 'glamour' vendido pelos filmes, novelas e comerciais de televisão, que eram vendidos na época que começou a fumar e que o fez mergulhar no vício, Wellington vivenciou principalmente as consequências. “Eu cresci enxergando o ato de fumar como uma forma de inserção e aceitação social", diz Wellington.
No auge das três carteiras consumidas por dia, o baque de consciência veio no momento em que ele percebeu que seu corpo já transparecia os estragos provocados pelo fumo. “Eu era levado para hospitais com frequência”, relembra. “Eu tinha um vício tão grande que, por mais conhecimento que eu possuísse, por mais que eu soubesse que faz mal, não adiantava. Se não houver um trabalho muito bem feito não adianta”, desabafa.
Wellington parou de fumar aos 47 anos, após mais de duas décadas de vício. Mas não conseguiu isso sozinho. Ele é um dos muitos fumantes tratados no programa do Sistema Único de Saúde (SUS) no município de Cabedelo. Os principais motivadores para buscar ajuda foram as crises de hipertensão e a exclusão social provocados pelo fumo.
Nem todo mundo tem a mesma sorte de Wellington, que está 'limpo' do cigarro há 10 meses. Em João Pessoa, de acordo com o Ministério da Saúde e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são 89.784 pessoas que mantêm o hábito de fumar. Isso significa 8,4% da população da cidade e coloca a capital paraibana como a 15ª quinta colocada no ranking das capitais brasileiras com maior número de fumantes. Na Paraíba, são mais de 450 mil viciados.
Apesar da posição mediana e da porcentagem abaixo da média nacional, o fato de que quase meio milhão de pessoas na Paraíba ainda se rendem ao vício no tabaco é motivo de preocupação: nos últimos dois anos, 734 pessoas morreram no Estado em decorrência de câncer de brônquios e pulmões, doenças provocadas principalmente pelo tabagismo.
Por esse e outros motivos, hoje, (31) é o Dia Mundial Sem Tabaco. Criado no ano de 1987 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para alertar sobre os problemas à saúde causados pelo fumo e desenvolver ações para combater o tabagismo.
Cigarro combina dependência química e 'fuga' dos problemas
Pneumologista Sebastião Costa explica como a nicotina age no corpo e mente dos viciados. (Foto: Rizemberg Felipe)
De acordo com o médico pneumologista Sebastião Costa, os mecanismos de vício do cigarro atuam em duas frentes. “Verificamos a dependência nicotínica, química, e a dependência psicossocial”, explica. Segundo o médico, a dependência psicossocial envolve a liberação do hormônio dopamina – que provoca sensações de prazer – no cérebro e está relacionada aos estresses, ansiedades e depressões.
Para o psicólogo Moisés Anton, que coordena um grupo de apoio a tabagistas do município de Cabedelo, a relação de dependência psicossocial envolve dois fatores. “O cigarro, apesar de vasoconstritor, é um poderoso calmante”, afirma o psicólogo. “As pessoas fumam para se tranquilizar, para fugir dos problemas pessoais, financeiros, profissionais. É como uma válvula de escape”, esclarece. Por fim, explica ele, muitas pessoas simplesmente se habituam a fumar. “Uma pessoa que fuma há 30, 40 anos vai estranhar quando ela entra no carro, por exemplo, e não fuma um cigarro. É uma questão de hábito”, resume.
Em Cabedelo, a população tem à disposição o Centro de Referência para Abordagem e Tratamento do Fumante (CRATF), no qual Moisés faz parte. “Dispomos de acompanhamento psicológico e tratamentos como medicamentos que causam aversão à nicotina, chicletes e reposição da nicotina, para que não haja uma abstinência acentuada”, afirmou ele. O centro realiza reuniões semanais e funciona na Policlínica Leonard Mozart, no bairro de Camalaú.
Serviços públicos de João Pessoa oferecem tratamento para tabagismo
Ação realizada em agosto de 2014 durante semana de prevenção e tratamento a tabagismo da Prefeitura de João Pessoa (Foto: divulgação/SecomJP)
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) também dispõe de um programa contra o tabagismo desde o ano de 2006. De acordo com a coordenadora da área de doenças e agravos não transmissíveis da SMS, Niviane Ribeiro, mais de 1.700 pessoas já se livraram do vício desde o início do programa.
Na capital paraibana, quatro Centro de Atenção Integral em Saúde (Cais), ligados à saúde municipal oferecem tratamento para o tabagismo: o Cais no bairro do Cristo, o Cais no bairro de Mangabeira, o Cais em Jaguaribe, Unidade de Saúde de Mandacaru e o Centro de Atendimento Psicossocial Álcool e Drogas David Capistrano, no Rangel.
Para conseguir atendimento, basta ter vontade de parar e procurar um desses locais. 'Após o primeiro atendimento, o tabagista é encaminhado para um processo de triagem com uma consulta com um pneumologista e, em seguida, é atendido por uma equipe multidisciplinar que irá definir o tratamento", explica Niviane.
Após essa primeira etapa, o paciente passa por quatro sessões estruturadas com psicólogos, psicoterapeutas, assistentes sociais e médicos, quando o 'caminho' do paciente durante o tratamento é definido. "Pode ser baseado na terapia cognitivo-comportamental, no uso de adesivos, pastilhas e até medicamentos, dependendo do caso", destaca a coordenadora. Em seguida, é realizado acompanhamento mensal durante o período de um ano - se nesse período ele permanecer sem o fumo, é considerado livre do vício e tem alta. Em caso de recaídas, são realizados tratamentos alternativos.
O Ministério da Saúde oferece ainda um canal telefônico para quem desejar largar o fumo. O atendimento funciona através do número 136.
Para além do tóxico: recuperação requer força de vontade do paciente
Não é apenas um clichê: parar de fumar requer muita força de vontade e vontade genuína do indivíduo. Uma pesquisa de 2013 do Departamento de Psicologia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) concluiu que, de fato, o cigarro é visto pelo usuário como um 'aliado' ou 'amigo inseparável', na medida que a dependência vai além das substâncias químicas presentes na droga.
"Para os fumantes, a dependência reflete uma verdade interior", relata a pesquisa. "[Essa dependência] está relacionada a um frequente mal-estar psíquico e busca de equilíbrio interno, tentando, assim, suprir algo que falta para eles", afirmam os pesquisadores.
A coordenadora da área de doenças e agravos não transmissíveis da SMS, Niviane Ribeiro, corrobora as conclusões da pesquisa: segundo ela, o fator principal para o início do tratamento é a vontade do próprio paciente. "Temos muitos casos de pessoas que chegam nas unidades de saúde alegando que estão buscando o tratamento porque a mãe quer, ou parceiro, ou por pressão dos amigos", conta ela. "Esses casos são mais difíceis. O paciente precisa ter uma vontade genuína de superar o vício físico e psicológico provocado pelo fumo", conclui.
Para Wellington, que está livre do vício há 10 meses, o tratamento representou uma vitória para si mesmo e para quem o cercava. “Todos ao meu redor ficaram satisfeitos de ver essa conquista; afinal, você se torna um presidiário do vício”, desabafa. “Eu não conseguia me livrar. Eu achava que o cigarro era meu bem-estar – quando, na verdade, eu não estava nada bem”, conclui.
Tratamento deve englobar dependência química e psicossocial
De acordo com o pneumologista Sebastião Costa, o tratamento para o tabagismo deve abordar a dependência química e a psicossocial. Segundo ele, o vício na nicotina é tratado com a utilização de chicletes e adesivos da substância e medicamentos como o Cloridrato de Bupropiona e o Tartarato de Vareliclina. Já a dependência psicossocial é tratada através da abordagem cognitivo-comportamental. “O prognóstico para um paciente tratado nessas duas frentes é excelente”, relata.
O pneumologista, entretanto, reconhece que muitos pacientes tentam parar de fumar sozinhos, sem ajuda médica. “Nesses casos, a melhor opção não é parar bruscamente, e sim diminuir o consumo gradativamente, deixando para fumar o primeiro cigarro do dia cada vez mais tarde, por exemplo”, aconselha. “Mascar balas de gengibre ou escovar os dentes podem ser práticas adotadas para aliviar a necessidade de fumar”, ensina
Onde ir em busca de tratamento grátis em João Pessoa
Cais Cristo – Rua Olívia de Almeida Guerra | Fone: 3214-2623
Cais Mangabeira – Rua Romário C. de Moraes | Fone: 3213-1909
Cais Jaguaribe – Rua Alberto de Brito | Fone: 3214-4075
USF Mandacaru – Rua Mascarenhas de Morais | Fone: 3214-7143
Caps AD David Capistrano – Rua José Soares, Rangel | Fone: 3218-5244
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