VIDA URBANA
PB está fora do cadastro de crianças desaparecidas
No Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Desaparecidos, constam informações sobre 20 estados, mas a Paraíba não está incluída.
Publicado em 11/10/2015 às 8:00
Era janeiro de 2013, quando a estudante Fernanda Hellen saiu de casa, no Alto do Mateus, na zona oeste de João Pessoa, para ir à escola, no mesmo bairro, pegar o boletim. A menina nunca mais voltou para casa. Três meses depois ela foi encontrada morta, enterrada no quintal da casa do vizinho. O caso é relembrado nesta reportagem para denunciar um problema sério, mas que as autoridades fingem não ver: a falta de um banco de dados de crianças e adolescentes desaparecidos. Fernanda Hellen foi uma das vítimas que nunca teve os dados inseridos em um banco dessa natureza.
No Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Desaparecidos (www.desaparecidos.gov.br), do Ministério da Justiça, constam informações sobre 20 estados, mas a Paraíba não está incluída. Sem essa ferramenta, a busca fica comprometida e as chances de encontrar alguém que sumiu reduzem drasticamente, segundo destacou a promotora da Infância e Juventude de João Pessoa, Soraya Escorel, coordenadora do Centro de Apoio Operacional às Crianças e Adolescentes (Caop). Diante dessa realidade, a luta das famílias, além de silenciosa, se torna mais angustiante. No caso de Fernanda Hellen, pais e amigos da menina afixaram cartazes pela cidade na esperança de encontrá-la.
O delegado-geral adjunto da Polícia Civil (PC) da Paraíba, Isaías Gualberto, confirmou que não existe o banco de dados no Estado e que não há previsão para que isso se concretize. “Não temos um sistema informatizado, mas isso não é um problema localizado da Paraíba. O Brasil não possui, o que se configura em um problema sério”, ponderou. Segundo Gualberto, os casos mais frequentes na Paraíba são de desaparecimento de adolescentes, enquanto o de crianças é raro.
A falta de um banco de dados é um problema sério, que já foi vencido em outros estados brasileiros. No entanto, está longe de ser o único obstáculo para as famílias que têm crianças ou adolescentes desaparecidos. Segundo a promotora de Justiça, ainda há a cultura de que a ocorrência só deve ser registrada após 24 horas de sumiço, quando a lei federal nº 11.259/2005 (Lei da Busca Imediata) determina que a investigação e a busca devem ser iniciadas tão logo a família procure a polícia.
Mas o que acontece na prática é que pais e mães quando vão às delegacias recebem a orientação de voltar para casa e retornar após 24 horas, caso o filho não volte para o lar. Um dia, que pode ser pouco para alguns, representa um tormento para as famílias que aguardam, desoladas, pelo retorno de uma criança ou adolescente, segundo afirmou Soraya. “É importante destacar que não são todos os policiais que agem assim, temos profissionais sérios e comprometidos com essa causa”, frisou.
A promotora lembrou que tão importante quanto procurar os desaparecidos é conhecer os motivos do sumiço. Com exceção dos casos em que crianças e adolescentes são raptados por terceiros, é comum meninos e meninas fugirem de casa na esperança de se libertarem de uma situação obscura, como abuso sexual, maus-tratos, negligência.
DNA Prokids parado
Um programa inovador, de alto nível, mas que está inutilizado na Paraíba. É o banco DNA Prokids, um projeto que acontece em parceria com a Universidade de Granada, na Espanha, que busca identificar crianças desaparecidas através do cruzamento do perfil genético. A Paraíba é o único estado, junto com São Paulo, contemplado com o programa. No entanto, sem o encaminhamento nas delegacias, as chances de localizar uma criança pelo DNA são nulas.
O projeto é desenvolvido no laboratório de DNA do Instituto de Polícia Científica (IPC) e quem está à frente é Silvana Cavalcante, perita criminal. Ela explicou que o programa está presente em vários países da América do Sul, América do Norte, Europa e África. “O grande objetivo desse banco é ajudar no combate ao tráfico internacional de crianças e adolescentes”, frisou.
Para ser realmente eficaz, o banco tem que contar com o envolvimento e a disposição das autoridades que estão na linha de frente. De acordo com Silvana, o correto seria que, ao procurar uma delegacia para registrar o desaparecimento de uma criança ou adolescente, os pais (ou responsáveis) fossem informados do projeto DNA Prokids e encaminhados para o IPC, onde teriam o sangue coletado. Depois disso, o perfil genético dos pais seria colocado no banco, para cruzamento de DNA de crianças e adolescentes desaparecidos, que tiveram material coletado.
O que deveria acontecer na vida real, fica só no campo das ideias, segundo destacou a perita criminal. “Infelizmente não há o encaminhamento nas delegacias, e o banco fica inutilizado. É preciso que as autoridades se empenhem em iniciar as investigações o quanto antes e que utilizem o banco, que pode ajudar a elucidar casos que parecem impossíveis”, declarou.
Adoção à brasileira é problema
Acontece diariamente. Talvez na maternidade onde seus filhos nasceram. O banco DNA Prokids também tem como foco evitar a adoção ilegal, também chamada de adoção à brasileira, que acontece nas maternidades. Nesse caso, bebês são entregues a famílias que não querem ficar na fila da adoção para fugir da longa espera. A adoção à brasileira é um problema que todo mundo sabe que existe, mas que não consegue juntar provas.
E por que não consegue juntar provas? Porque a sociedade finge não ver, segundo destacou a promotora Soraya Escorel, coordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias da Criança e do Adolescente (Caop). No caso dos bebês, a coleta de sangue para o banco DNA Prokids só pode ser feito mediante autorização judicial, no caso de suspeita de que aquela criança não foi adotada pelos meios legais.
Nessa batalha também está o Conselho Regional de Medicina da Paraíba (CRM-PB), que este ano visitou hospitais de João Pessoa com o objetivo de sensibilizar médicos para o problema de crianças desaparecidas. Os profissionais de saúde podem ajudar prestando atenção às crianças e adolescentes durante o atendimento. O CRM-PB participou, inclusive, do lançamento da campanha liderada pelo Ministério Público, ainda em 2011.
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