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VIDA URBANA

Quando o glúten vira um inimigo

Distúrbio, também chamado de doença celíaca, pode se desenvolver em qualquer idade, mas é mais frequente aparecer na infância.

Publicado em 22/06/2014 às 6:00 | Atualizado em 31/01/2024 às 17:38

O pãozinho francês de cada dia, que muita gente não vive sem, para outras representam um risco. Pessoas que têm intolerância ao glúten também não podem consumir cerveja, achocolatados, salgadinhos, pizza e uma série de outros alimentos. Esse distúrbio, também chamado de doença celíaca, pode se desenvolver em qualquer idade, mas é mais frequente aparecer na infância. Quem recebe o diagnóstico passa a ter uma vida totalmente regrada, com um cardápio limitado e bem longe do glúten.

A estudante de medicina Luana Menezes sabe bem o que é conviver com a doença. Ela conta que descobriu a intolerância após longos anos de tratamento, sem sucesso, para a ansiedade.

Ainda na infância Luana começou a se queixar de dores abdominais. Aos 7 anos teve uma piora significativa. “Como eu havia mudado de cidade há pouco tempo, comecei a fazer tratamento psicológico e recebi o diagnóstico de transtorno de ansiedade”, declara. Na época, ela iniciou tratamento com medicamentos e passou a fazer terapia cognitiva comportamental.

Os pais de Luana continuaram a procurar consultórios médicos, pois os sintomas não desapareciam. A estudante, então, recebeu outro diagnóstico: o da Síndrome do Intestino Irritável, que costuma ser relacionado a situações de estresse. Apesar dos tratamentos indicados, Luana não melhorava. Segundo ela, há 2 anos chegou a perder 6 quilos em apenas um mês. “Nesse período fiz teste de intolerância a lactose e continuei sendo tratada como portadora da Síndrome do Intestino Irritável”, afirma.

O diagnóstico correto só veio quando a estudante começou a interpretar os sintomas, o que foi facilitado pelo fato dela ser estudante de medicina. Luana passou a anotar tudo o que comia e o que sentia. Foi quando suspeitou que poderia ter intolerância ao glúten. “Fiz dieta por um mês e em apenas dois dias não tinha mais diarreia ou dor, também parei de perder peso”, conta. Nas redes sociais, encontrou o grupo 'Viva sem glúten' e passou a dividir o problema com outras pessoas que têm a doença celíaca.

Com conhecimento sobre o distúrbio, Luana procurou outro médico, que deu orientações a respeito da alimentação, necessidade de acompanhamento e dos exames. Há 2 anos, o glúten foi completamente cortado da alimentação de Luana, que até já comeu sem saber. “Quando necessário faço uso de antiespasmódico”, declara.

A maior dificuldade, segundo ela, é comer fora de casa. A vida agitada de estudante a obriga a fazer refeições na rua em vários momentos. “O problema está na falta de informação dos profissionais que trabalham em estabelecimentos alimentícios.

Percebi que não adianta dizer que você tem intolerância ao glúten, as pessoas não sabem o que é isso”, conta.

Para facilitar, ela passou a pedir que os atendentes olhassem nas embalagens dos produtos se havia a informação 'contém glúten' ou 'não contém glúten'. Mas a exigência nem sempre funcionava. Também não adiantava dizer que se ela comesse passaria mal. “Comecei a dizer que tenho uma alergia que causa edema de glote, que minha garganta fecha”, explica. A estratégia funcionou em alguns lugares, segundo Luana.

RESTAURANTES NÃO TÊM CARDÁPIO ADAPTADOS

O drama de Luana ainda não terminou. Quando vai a restaurantes, a estudante precisa perguntar sobre a composição de todos os alimentos e ver as embalagens. “Na maior parte do tempo me sinto exausta e triste também, pois a reação dos profissionais é muito desapontadora. Recebo muito 'não' e mesmo sabendo dos meus direitos não me sinto a vontade de ficar nos locais”, revela. Luana diz que até agora só encontrou em João Pessoa um restaurante e uma sorveteria que trazia a informação sobre glúten no cardápio.

Ela teme ainda a contaminação cruzada, que ocorre quando um alimento sem glúten é processado ou colocado no mesmo ambiente que um alimento com glúten. “No supermercado é muito comum ver a farinha de trigo ao lado de outros alimentos isentos de glúten.

Mesmo depois de explicar ao dono do estabelecimento sobre esse problema, a farinha continua no mesmo local”, destaca. O que parece simples para a maioria das pessoas, é um risco sério para a saúde de Luana e de outros pacientes.

Toda a situação relatada por Luana é confirmada pelo médico gastroenterologista Pedro Ferreira. Segundo ele, a doença é autoimune e desencadeada pela ingestão de cereais que contêm glúten, como trigo, centeio, cevada e aveia. “A intolerância ao glúten afeta não apenas o sistema digestivo, mas pode acometer também a pele, a mucosa oral, as articulações, os rins e o sistema neurológico”, afirma.

Os sintomas mais comuns na forma clássica da intolerância ao glúten são: diarreia ou constipação crônica, anorexia, emagrecimento, vômitos, déficit de crescimento, irritabilidade, dor e distensão abdominal e anemia. O diagnóstico, segundo o gastroenterologista, é feito através do exame clínico, numa anamnese detalhada, avaliação de marcadores séricos (através do exame de sangue) e biopsia do intestino delgado. Estima-se que no Brasil cerca de 300 mil pessoas tenham a doença; a maior incidência é no Sudeste do país. É mais frequente em pessoas do sexo feminino.

NUTRICIONISTA ALERTA PARA SINTOMAS

A nutricionista Nathássia Ferreira alerta as pessoas que sentem um leve desconforto após a ingestão de pães, bolos ou pizzas, pois esse é um sintoma ligado à intolerância ao glúten. “O glúten nada mais é do que uma rede de proteínas encontrada no trigo, centeio, cevada, aveia, malte e, por consequência, em seus derivados”, declara.

Segundo ela, quando a pessoa já nasce com hipersensibilidade a essa proteína é chamada de doença celíaca. “Nessas pessoas o glúten provoca danos na mucosa do intestino delgado, impedindo uma digestão normal. Após eliminar o glúten da dieta, o intestino volta a funcionar com normalidade, entre algumas semanas ou alguns meses”, explica. O glúten é obtido através da mistura dessas proteínas que se encontram naturalmente na semente de muitos cereais, como o trigo, cevada, centeio e na aveia.

Além de ser responsável pela elasticidade da massa, o glúten é um dos componentes que permitem a fermentação de pães e bolos. “Ao cortar o glúten, cortam-se principalmente pães, hambúrgueres, massas, cervejas, entre outros alimentos, substituindo-os por alimentos mais saudáveis, como arroz integral, castanhas, frutas, sucos e alimentos menos calóricos”, afirma. É sempre recomendável procurar um médico ou nutricionista para que não ocorra nenhuma disfunção nutricional posteriormente.

A nutricionista chama a atenção para o que acontece nas academias de ginástica, “onde é comum observar a moda de adotar uma dieta sem glúten, uma vez que a redução da gordura na área abdominal é comprovada”. Segundo Nathássia, nesse caso há a substituição do pão de trigo tradicional pelo pão de aipim e milho, biscoitos de soja, etc. Ela lembra da lei federal que obriga todos os alimentos industrializados fazerem advertência sobre a presença ou não de glúten.

A estudante de gastronomia Natália Farias recebeu o diagnóstico da doença celíaca há três anos e desde então fez uma mudança radical na dieta, cortando todos os alimentos que contêm glúten.

Ela conta que teve como sintomas o inchaço abdominal, gases, diarreia e feridas pelo corpo e no couro cabeludo. A doença só foi descoberta depois que ela procurou uma nutricionista funcional que pediu alguns exames e confirmou a suspeita.

Além de não comer nenhum alimento que contenha glúten, Natália também tem o cuidado de separar as panelas para preparação de suas refeições, como também a bucha para lavá-las posteriormente. O medo dela é da contaminação cruzada, aquela que ocorre quando farelos de glúten são levados para o alimento sem glúten. “Comer fora de casa é algo fora de cogitação para mim, é um cuidado extremo”, afirma.

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Jornal da Paraíba

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