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VIDA URBANA

Raymundo Asfora completa 30 anos de saudades para os paraibanos

Prestes a tomar posse como vice-governador da Paraíba, Asfora foi encontrado morto em sua residência.

Publicado em 06/03/2017 às 7:00

"Recordar hoje é meu tema, quero é rever os antigos tropeiros da Borborema". Em versos, o poeta, político e advogado Raymundo Yasbeck Asfora eternizou seu amor por Campina Grande, cidade que escolheu para moradia e que nela passou a maior parte da vida. O "Tribuno de Campina", como ficou conhecido, foi encontrado morto em 6 de março de 1987, há exatos 30 anos, deixando na saudade amigos, familiares e admiradores.

Nascido em Fortaleza, capital do Ceará, em 26 de novembro de 1930, Raymundo Asfora mudou-se com a família ainda adolescente para Campina Grande. Na cidade, iniciou a sua vida pública, atuando em grêmios estudantis. Ele foi um dos fundadores na cidade da ‘União Estudantal de Campina Grande’ ao lado de Félix Araújo. Com a conclusão do curso secundário, Raymundo retornou ao Recife, onde formou-se em direito pela Faculdade de Direito do Recife, em 1954.

Trajetória política

Após fixar-se definitivamente em Campina Grande, o advogado criminalista deu início à sua carreira pública. Em 1955, foi eleito para o cargo de vereador em Campina Grande. Já em 1958 tornou-se deputado estadual. Na época, a Assembleia Legislativa da Paraíba tinha como sede o prédio onde hoje é o Primeiro Batalhão da Polícia Militar, na Praça Pedro Américo. Um dos projetos de autoria de Raymundo Asfora é o nome que a Assembleia recebe até hoje, “Casa de Epitácio Pessoa”.

Durante a década de 1960, Asfora assumiu vários cargos públicos, foi assessor do ministro João Agripino durante o governo de João Goulart, procurador da Fazenda Estadual em 1962 e em 1964 assumiu, como suplente, o mandato de Deputado Federal. Neste período, afirma o historiador e jornalista José Octávio, foram feitos dois dos mais emblemáticos discursos de Raymundo Asfora em João Pessoa.

O primeiro foi em um movimento organizado por estudantes no Ponto de Cém Réis, no Centro da capital. O protesto fora organizado no dia do enterro de João Pedro Teixeira, líder das Ligas Camponesas na Paraíba, que foi assassinado em uma emboscada. O ano era 1962 e Asfora, o orador principal do movimento. De seu discurso, foi imortalizada uma frase, muito lembrada até hoje nos movimentos de luta pela reforma agrária: “Os latifundiários deixariam a terra às escuras se fossem proprietários do sol”.

Os discursos do "Tribuno de Campina", dizem os seus contemporâneos, sempre foram os mais elogiados da Paraíba, não só pela eloquência das palavras, mas pela forma como eram feitos, sempre respeitosos, educados e falando o necessário, conforme o historiador José Octávio. “A sua oratória, inclusive, era emprestada para a campanha de outros candidatos, a exemplo discurso feito na Rua Duque de Caxias, também no Centro de João Pessoa, para a campanha de Robson Espíndola, em 1963”, sendo este o segundo mais importante discurso feito por Raymundo, em João Pessoa, ainda de acordo com o historiador.

Além da carreira pública, Asfora era conhecido pelas suas poesias e por sua atuação como advogado. Entre os seus poemas, o mais conhecido é “Tropeiros da Borborema”, feito em parceria com o também poeta Rosil Cavalcanti. Até hoje, ele é considerado um hino extra-oficial de Campina Grande, cuja versão mais conhecida aparece na interpretação do Rei do Baião, Luiz Gonzaga, gravada em 1980.

Como advogado, Asfora atuava na área criminalista. Ele também era professor na Faculdade de Direito da Fundação Regional do Nordeste, que atualmente pertence à Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). A defesa da comunidade e de um ideal socialista sempre foram marcas de sua atuação como poeta, advogado ou político.

Em 15 de agosto de 1983, como deputado federal, Asfora fez um discurso na tribuna da Câmara dos Deputados, onde denunciou o assassinato da agricultora Margarida Maria Alves. Em seus discursos, a defesa dos trabalhadores rurais era uma constante. A sua atuação e habilidade política fizeram com o que ele fosse escolhido para concorrer ao cargo de vice-governador, na chapa liderada por Tarcísio Burity, em 1986.

Incentivador de carreiras

"Numa homenagem às novas e futuras gerações, eu lanço o acadêmico de Direito Cássio Cunha Lima, como candidato a Deputado Federal". De acordo com o senador Cássio Cunha Lima, esta foi a frase dita por Raymundo Asfora em uma entrevista ao JPB da TV Paraíba, quando anunciou que sairia candidato a vice-governador, em 1986. Segundo Cássio, o anúncio foi feito sem consultá-lo, e nem a seu pai, Ronaldo Cunha Lima, que na época era prefeito de Campina Grande. “Foi assim que eu entrei na vida pública. Era uma maneira de Asfora, hábil e inteligentemente, envolver o meu pai na campanha de 1986. Meu pai havia ficado na prefeitura de Campina Grande e Asfora foi então o grande responsável pela minha entrada na vida pública”, afirma Cássio.

Para Cássio, o grande diferencial de Raymundo Asfora eram as suas características pessoais. “Era um homem inteligentíssimo, culto, preparado, de humor refinado, irreverente, um poeta qualificado, um advogado brilhante, um homem público que se diferenciou exatamente por suas características pessoais e por não se enquadrar no sistema tradicional da política. Uma inteligência fulgurante, a quem devo muito hoje ainda”, afirma.

O pai amoroso que gostava de passar lições

"Ponha na Cabeça que seu valor é não ter preço". De acordo com Gilbran Asfora, o filho homem mais velho de Raymundo Asfora, esse é um dos principais ensinamentos de seu pai sobre a importância de manter o seu posicionamento e nunca se vender. Além de Gilbran, Raymundo teve outros seis filhos: Samara e Omar, frutos do primeiro casamento, e Sheyner, Thanner, Bergma e Kerma, do segundo casamento.

Segundo Gilbran, os ensinamentos e o exemplo é a maior herança deixada por seu pai. "Quando meu pai me perguntava se eu queria seguir a carreira pública, e eu respondia que sim, ele na mesma hora me mandava estudar", relembra. Ainda de acordo Gilbran, que tinha 22 anos quando o pai faleceu.

“Um pai amoroso, que gostava muito de passar lições”, assim Raymundo Asfora é lembrado pelo filho e o advogado criminalista, Sheyner Asfora, que é o sexto dos sete filhos do poeta. Apesar de muito novo - Sheyner tinha apenas 11 anos quando o pai faleceu -, o advogado lembra de muitos ensinamentos do pai.

Uma de suas lembranças é a de um dia, na Granja Uirapurú, quando, ao tentar subir em uma árvore, não conseguiu alcançá-la e ouviu de Raymundo Asfora que deveria continuar tentando todos os dias até ser capaz. “Só vim conseguir subir na árvore um tempo após a sua morte. Esse momento levo comigo para a vida, a lição de tentar, lutar até conseguir”, relembra.

Assim como o Raymundo, Sheyner Asfora é advogado criminalista e tem no pai um exemplo para a carreira. “Como não posso seguir seus passos, sigo o seu exemplo”, afirma. Sheyner ainda relembra um dos mais famosos motes de seu pai, dito em 1982, “a morte está enganada, eu vou viver depois dela”, posto que mesmo depois de 30 anos de sua morte, Raymundo Asfora é bastante lembrado pelo país afora. “Nos Fóruns, sempre encontro com alguém que se recorda do meu pai, de seus discursos, de suas defesas”, afirma.

Raymundo Yasbeck Asfora foi encontrado morto no dia 6 de março de 1987, a nove dias de tomar posse como vice-governador da Paraíba, em sua casa, na Granja Uirapurú, em Campina Grande. A princípio as investigações da Polícia indicavam que havia ocorrido suicídio, porém, com o aprofundar das investigações chegou-se a conclusão que Asfora havia sido assassinado. A esposa de Asfora, Gilvanete Vidal de Negreiros Asfora e o motorista da família e amigo particular de Asfora, Marcelo Marcos da Silva eram suspeitos de ter cometido o crime, mas foram inocentados em um segundo tribunal de juri, que ocorreu em Campina Grande em 21 de março de 2013.

Para amigos e familiares, o “Tribuno de Campina” estava certo quando falava sobre o engano da “morte”. Na visão das pessoas mais próximas, ele continua vivo, não só na memória das pessoas, mas em seus discursos, suas defesas e em seus poemas que estão eternizados na história paraibana.

Confira o áudio de alguns discursos feitos por Raymundo Asfora:

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Jornal da Paraíba

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