VIDA URBANA
Relatos de agressão fazem pais desistir de berçários
Relatos até parecem ser de filmes de terror, mas fazem parte de uma triste realidade. Crianças crescem sofrendo de síndrome do pânico.
Publicado em 17/04/2011 às 10:58
Valéria Sinésio
Do Jornal da Paraíba
“Aperta meu pescoço que eu quero dormir”. Quando ouviu o filho de dois anos dizer essa frase, a dona de casa Verônica Gomes, que mora em João Pessoa, ficou assustada, mas não conseguiu entender seu significado. A partir daí, começou a perceber que seu filho vivia agitado, tinha medo das outras crianças e chorava compulsivamente sem motivo aparente. Quando a mãe o pegava nos braços esperando ele dormir, repetia a frase assustadora. Quando enfim conseguia dormir, falava algo mais assustador ainda: “Dorme...apanha....dorme...apanha”.
O relato até parece ser de um filme de terror, mas faz parte da realidade. É o alerta de uma mãe que colocou o filho em uma creche, acreditando que nesse lugar ele estaria protegido. “Hoje, meu filho tem 13 anos de idade e sofre por tudo que passou na creche, apesar de não lembrar”, conta.
De acordo com Verônica, o adolescente tem pânico de outras pessoas e atualmente vive isolado. Sua história serve de exemplo e, principalmente, de alerta para as mães que colocam os filhos em berçários e creches, pois a cada dia cresce o número de reclamações de maus-tratos nesses locais.
“Quando meu filho nasceu eu trabalhava e não tinha com quem deixá-lo, por isso o coloquei na creche”, lembra. “Antes de colocá-lo fui visitar o local, que tinha psicólogos, boa alimentação e aparentava ser um ambiente agradável e feliz para as crianças, mas eu me enganei, pois a realidade era outra”, declara. “Ninguém pode cuidar melhor do filho que a própria mãe”. Verônica lembra que o filho ficava a cada dia mais triste, apesar de ainda ser uma criança de dois anos.
Ela conta que uma vez, quando estava a caminho da creche, o filho começou a chorar desesperadamente, sem controle. Verônica tentava consolar a criança, mas não conseguia. Mostrando o slogan colorido da creche, disse: “Olha filho, como é lindo”. Diante disso, o menino – agora chorando ainda mais – declarou inconformado: “Isso também dói”, apontando para o slogan. Para sua surpresa, quando chegaram à creche, seu filho parou imediatamente de chorar alto, mas as lágrimas continuavam a cair.
“Ele chorava em silêncio e aquilo me chamou atenção, porque uma criança de dois anos não tem entendimento para chorar assim, a não ser que alguém o intimide e o proíba”, destaca. As poucas palavras que o menino falava tropeçando, tinham relação com sofrimento e tristeza. “Falar mesmo ele só conseguiu aos cinco anos de idade”, lembra a mãe. Verônica então começou a juntar as peças do quebra-cabeça, até começar a desconfiar que o filho estava sofrendo maus-tratos na creche.
“Falo desconfiar porque eu nunca vi, mas os indícios foram muitos”, afirma. Só quando engravidou do segundo filho foi que resolveu pedir demissão, tirar o mais velho da creche e ficar em casa se dedicando exclusivamente à missão de mãe. Ao perceber que o filho tinha um comportamento diferente das outras crianças levou-o ao médico. O diagnóstico apontou que seu filho ficou com sequelas por ter sofrido maus-tratos e repressão nos primeiros anos de vida. As consequências foram drásticas. Até hoje, o filho de Verônica faz tratamento com psicólogos, psiquiatras, psicopedagogos e fonoaudiólogos.
Em novembro do ano passado, a denúncia de maus-tratos a crianças em um berçário em Goiânia, revoltou pais de todo o Brasil. De acordo com a Polícia Civil de Goiás, a agressora seria a proprietária do berçário. Em uma de suas entrevistas sobre o caso, a delegada chegou a dizer que o local é “um ambiente de tortura, com choro constante. Algumas crianças passam o dia amarradas em carrinhos, são beliscadas e têm os dedos esfregados no muro até sangrar, o que a gente considera muito grave”.
As exigências dos pais são muitas, por isso, a cada dia os berçários precisam oferecer não apenas conforto, mas – acima de tudo – segurança para seus filhos. Com medo de não encontrar esses requisitos, a professora Adriana Paiva está adiando ao máximo colocar a filha de um ano e nove meses no berçário. “Desde que voltei a trabalhar, quem fica com ela é minha sogra”, explica. Pelas histórias que já ouviu, não tem coragem de deixar a criança com ‘desconhecidos’. “Já visitei alguns berçários que aparentam ter boa estrutura e bons profissionais, mas ainda não tive coragem”, destaca.
O problema existe, é grave e pode trazer sérias consequências para a vida da criança. O pior de tudo é que a situação pode ser ainda mais crítica e preocupante, pois a subnotificação de casos desse tipo de violência ainda é uma realidade na Paraíba, como no resto do país, destaca Soraya Escorel, promotora da Infância e Juventude. “A estimativa através das pesquisas realizadas é que de cada 20 casos de agressão física apenas um é denunciado”, revela.
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