VIDA URBANA
Reza, esmola e 'kit guloseima' fazem parte do pacote de quem pega ônibus em JP
O 'pedinte de ônibus' é comum nos ônibus que circulam pela capital, seja vendendo algo ou solicitando um auxílio.
Publicado em 12/01/2015 às 10:00 | Atualizado em 29/02/2024 às 10:35
A garçonete Liviane Pires é uma das pessoas que desconfiam da honestidade dos pedintes dos ônibus (foto: Kleide Teixeira)
Dezenas de ônibus por dia e uma mochila repleta de diversos saquinhos com doces. No verso do plástico que embala cada pacote, uma mensagem religiosa e o endereço da instituição filantrópica de onde vem o portador do ‘kit de guloseimas’, vendidos a R$ 2,00 cada um, em meio a discursos de fé e pedido de ajuda em ônibus que trafegam por João Pessoa.
Esta é a rotina de Carlos (nome fictício), que há cinco anos percorre quase todos os bairros da capital para vender os produtos, cuja renda, segundo ele, é repassada para a instituição de tratamento para dependentes químicos onde vive desde 2009.
Nas viagens que faz ao longo do dia, o rapaz discursa para os passageiros enquanto entrega os pacotes com doces, dando seu "testemunho de vida", como ele mesmo comenta. “Durante oito anos eu vivi na dependência química do crack, mas estou há cinco anos liberto pela misericórdia de Deus. Hoje eu sou colaborador da obra (casa onde vive)”.
Carlos representa dezenas de jovens de pelo menos três casas de instituição de tratamento de dependência química que utilizam os transportes públicos da capital para pedir ajuda.
Além desses jovens, outras pessoas têm o mesmo hábito de pedir auxílio para a compra de remédios, alimentos, pagamento de aluguel e até passagens de ônibus para outros municípios.
Há, ainda, aqueles que utilizam o transporte público para vender doces, fazendo dessa prática um trabalho, e outros que fazem apresentações de música e até teatro.
Trabalhando há cerca de um mês ao lado de um ponto de ônibus na avenida Epitácio Pessoa, uma das principais vias da capital, o comerciante Júlio Francisco atesta a rotatividade dos "pedintes dos ônibus". Independente do dia e horário diurno, sempre há um desses personagens que acompanha os trajetos dos milhares de usuários dos coletivos da cidade todos os dias.
“Aqui é direto eles entrando no ônibus. Às vezes, mal desce um e já aparece outro. Os motoristas até brincam dizendo: ‘teu amigo desceu agorinha’”, relata o comerciante. Além dos passageiros, os cobradores e motoristas também estão acostumados com a presença dos pedintes.
Embora a entrada de pessoas nos ônibus para comercializar produtos, pedir auxílio ou fazer pregações religiosas seja uma prática proibida pelo regulamento do uso do transporte público da capital, os funcionários dos ônibus permitem a entrada dos pedintes e alguns "trabalham" nos ônibus até mesmo sem pagar a passagem.
Para muitos é uma 'presença incômoda'
Kit vem com uma guloseima e uma mensagem impressa explicando o motivo da ação no ônibus (foto: Kleide Teixeira)
Para os usuários dos ônibus da capital, a presença dos pedintes pode ser incômoda para uns e tolerável para outros. O motivo da desconfiança para alguns é a veracidade no discurso de quem pede ajuda e o destino dado aos trocados recebidos.
“Os meninos dessas instituições dizem que tem esse lado social, mas a gente não sabe até que ponto se destina o dinheiro que eles ganham vendendo os quites e se a instituição ajuda mesmo esse pessoal. Quando eles começaram a aparecer, eu até ajudei algumas vezes, mas de um tempo para cá, foram surgindo outras instituições e você se questiona se esse trabalho existe”, disse o escrevente Geraldo Ferreira.
A mesma dúvida argumentada por ele é sentida pela garçonete Liviane Pires. A jovem também utiliza todos os dias o serviço dos ônibus e revela que desconfia da maioria das pessoas que entram no coletivo para pedir ajuda. “Já ajudei algumas vezes. Agora, tem pessoas que pedem, mas que parecem que não precisam e inventam muitas histórias, aí eu fico desconfiada”, disse.
Já a estudante Priscila Amâncio acredita que quem entra nos transportes públicos para vender produtos, contanto que não interfira no bem-estar dos passageiros, não incomoda. “No caso dessas pessoas que entram para vender os produtos, eu acho que não tem problema. Eles estão fazendo um trabalho honesto e não estão somente pedindo dinheiro. Desde que tratem as outras pessoas com respeito, por mim tudo bem”, completa a estudante.
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