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VIDA URBANA

Seca mata gado e plantação

No interior do Estado, produtores rurais gastaram todas as suas reservas financeiras para sobreviver e salvar o rebanho.

Publicado em 15/05/2013 às 6:00 | Atualizado em 13/04/2023 às 15:52


Aos 77 anos, seu Clóvis Clementino representa bem o homem sertanejo. O jeito simples de falar e o inseparável chapéu de palha lhe conferem ainda mais autenticidade. Da janela da casa humilde, às margens da estrada no município de Pedra Branca, seu Clóvis viu os vizinhos levando o gado morto para depositar em cemitérios clandestinos. Testemunhou também a plantação morrer e o chão rachar em consequência da falta de chuvas na região.

Com a experiência de quem já passou pelas secas das décadas de 1970 e de 1990, seu Clóvis afirma que esta é a pior de todas. “Em outros períodos de seca, eu vi muita gente sofrendo, passando sede e fome, mas nenhuma chega perto dessa de agora”, declara. Ele diz que só não perdeu o rebanho porque gastou quase tudo que conseguiu juntar ao longo dos 60 anos de trabalho no campo. “Gastei R$ 36 mil em ração para não ver meu gado morrer”, conta.

Apesar do alto investimento, seu Clóvis não ficou imune aos efeitos da estiagem. “A ração não foi suficiente. Eu tive que recorrer à Conab. Teve dia que presenciamos vaca comendo pedaços de plástico para tentar matar a fome”, lembra. Os poços secaram e seu Clóvis viu o rebanho sofrer com sede. “Foi tudo muito triste, ainda bem que só perdi duas vacas”, afirma o aposentado. O pouco da água que ele conseguiu foi usada para consumo próprio.

Além de ter de gastar a reserva que tinha, a família de seu Clóvis viu a produção de leite cair drasticamente. “Antes as vacas produziam cerca de 120 litros de leite por dia. Depois da Seca o máximo produzido foram 10 litros/dia”, destaca. “É uma situação muito difícil para quem vive na zona rural. Essa seca vem para levar tudo da gente”, lamenta o criador. Ao seu lado, a mulher também reclama do período que chama de 'tempos de vacas magras'.

Segundo seu Clóvis, antes da seca muitos criadores chegavam à casa dele querendo comprar bois e vacas. “Antes tinha briga, agora ninguém quer mais”, revela. Essa realidade traz mais preocupação para ele e a família, pois é preciso ter de onde tirar o sustento do gado. “Só fico pensando como vai ser se a chuva não vier. Não tenho mais dinheiro para investir”, destaca.

Assim como muitos outros criadores de gado do Sertão, seu Clóvis reclama da dificuldade para receber a ração pela Conab. “É muita humilhação, é o que mais dói na gente”, afirma. Para receber a ração, seu Clóvis teve que pagar R$ 50,00 a um conhecido que aceitou passar a madrugada na fila. “Eu não tenho mais idade de ficar a noite numa fila, o jeito foi pagar mesmo”, conta.

Perder o sono para ele virou rotina, desde que a seca voltou a castigar o Nordeste em meados do ano passado. “Fico preocupado com o gado, com a família”, revela. Preocupação comum a praticamente todo homem sertanejo, que teme os prejuízos da seca devastadora. “Tem que ter pulso firme para enfrentar tudo isso. É preciso muita fé em Deus”, declara.

O ano de seca também o impede de plantar, como era de costume. “Nem plantei nem vou plantar. Não sou doido. Fazer isso é o mesmo que jogar dinheiro pelo ralo”, declara. “A gente tem que esperar a chuva chegar de verdade, porque só esse pouquinho ainda não dá para nada”, acrescenta seu Clóvis, que diz ter experiência de sobra para os jovens que estão iniciando a vida como criador de gado e agricultor.

Mesmo com todo o prejuízo e sofrimento, o aposentado diz que não tem vontade de morar em outro lugar, que não seja a zona rural. “A seca castiga, o gado morre, a gente passa necessidade, mas aqui nesse lugar a gente consegue viver feliz”, comenta seu Clóvis, enquanto convida a equipe de reportagem para tomar café. “A gente é pobre, mas quem chega aqui tem que comer na nossa mesa”, diz em meio a risadas.

Ele conta que já viu muitas pessoas deixarem a zona rural em busca de trabalho na cidade. “Para viver no Sertão e enfrentar a seca, a gente tem que ter frieza. É difícil saber que ao seu lado tem famílias passando fome e animais morrendo de sede”, comenta seu Clóvis, que leva nas mãos as marcas de quem passou uma vida inteira trabalhando no campo. Seu Clóvis é aquele “homem permanentemente fatigado”, que luta contra a seca, descrito com maestria na obra 'Os Sertões', de Euclides da Cunha.

ANIMAIS SOFRERAM COM FOME E SEDE

O criador de gado Severino Leite de Melo, 44, chora toda vez que alguém pergunta sobre os prejuízos que a seca lhe trouxe.

“É uma situação complicada, a gente passa a vida inteira tentando conseguir alguma coisa, aí vem a seca e acaba com tudo”, lamenta. Sem alimentos, o rebanho dele sofreu uma redução drástica: 25 animais (dentre bois, vacas e bezerros) morreram de fome; restaram 50. “Não sei como vai ser para alimentar. Tivemos alguns dias de chuva que deu para aumentar um pouco a pastagem, mas só isso não é suficiente”, afirma.

Severino conta que os animais sofreram com fome e com sede. Diante da cena, ele diz que não teve como fazer nada. “Só tinha mesmo a água para minha família beber”, comenta.

Visivelmente emocionado, o criador admite que pensou em abandonar o campo, a casa e o rebanho e tentar a vida em outro lugar. “Ainda passou pela cabeça ir para São Paulo. Um cunhado meu que está lá me ligou e disse que tinha emprego”, declara. Mas ele decidiu ficar na companhia da mulher e da filha, ainda criança.

Outro criador de Pedra Branca, Francisco Nunes Feitosa, conta que o pai gastou R$ 30 mil para manter o rebanho vivo. “Apenas uma vaca morreu”, revela. Com medo de ter um prejuízo maior, o criador vendeu muitos animais por um preço irrisório: uma vaca avaliada em R$ 2 mil foi entregue por R$ 300,00. Prejuízo também na produção do leite, que caiu de 130 para 50 litros por dia. “É uma seca sem precedentes”, finaliza.

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Jornal da Paraíba

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