icon search
icon search
home icon Home > cotidiano > vida urbana
compartilhar no whatsapp compartilhar no whatsapp compartilhar no telegram compartilhar no facebook compartilhar no linkedin copiar link deste artigo
Compartilhe o artigo
compartilhar no whatsapp compartilhar no whatsapp compartilhar no telegram compartilhar no facebook compartilhar no linkedin copiar link deste artigo
compartilhar artigo

VIDA URBANA

Sem ter canabidiol, pacientes usam chá de maconha na Paraíba

Mesmo com determinação judicial em mãos, uma família de Soledade nunca conseguiu o canabidiol para aliviar o sofrimento do filho.

Publicado em 07/08/2015 às 7:26

“No começo eu tive receio de me aproximar dessas pessoas, mas, pelo meu filho, eu faria e faço qualquer coisa”. O desabafo é de uma mulher de 27 anos, que desde que foi mãe pela primeira vez, em 2009, luta para oferecer o mínimo de qualidade de vida ao garoto, que nasceu com três raras doenças neurológicas e precisa do canabidiol – substância química encontrada na maconha – para conter as crises convulsivas que já chegaram a se repetir 80 vezes em um único dia. Mesmo estando de posse de uma determinação judicial, a família, que mora no município de Soledade (Agreste), ainda não teve acesso ao medicamento e está recorrendo a um chá feito com sementes de maconha para conseguir o canabidiol e evitar a piora do quadro de saúde do menino.

O chá é consumido pela criança duas vezes ao dia, há cerca de três meses. Segundo a mãe, que terá a identidade preservada, a bebida acabou com as crises convulsivas, fazendo as vezes do medicamento à base de canabidiol. Por ser uma substância controlada, esse remédio deveria ter sido importado e entregue pela União à família desde dezembro do ano passado, conforme previa a decisão do juiz da 4ª Vara Federal em Campina Grande, Rafael Chalegre do Rêgo Barros, que mais de sete meses depois ainda não foi cumprida.

Assim como a família de Soledade, outros pacientes que não tem acesso ao medicamento também fazem uso das sementes de maconha. É o que conta o médico neurologista responsável pelo acompanhamento da criança, Glenny Gurgel. Segundo ele, oito famílias já relataram em seu consultório a utilização do chá, mas ainda não existem estudos científicos para comprovar os efeitos da bebida nos pacientes.

Apesar disso, Glenny, que também atende outras quatro pessoas que já fazem uso do canabidiol, avalia que o chá não tem potencial para causar efeitos adversos maiores que o extrato de cânhamo, principal substância utilizada na confecção dos medicamentos a base do canabidiol. “Como vem acontecendo uma ampla divulgação do medicamento, muitos pais já chegam ao consultório pedindo uma prescrição”, explica Glenny Gurgel, ao informar que seis desses pacientes confirmam resultados positivos no controle das crises de epilepsia.

Mãe pede sementes a usuários de drogas

Sem ter acesso ao canabidiol através do medicamento importado, que deveria ser entregue pela União desde o ano passado, a mãe conta que ouviu falar do chá e, após consultar o médico, decidiu oferecê-lo ao filho para controlar as crises de epilepsia. Por conta da demora na realização do parto, a criança foi diagnosticada ainda nos primeiros meses de vida com microcefalia (doença neurológica caracterizada pelo tamanho muito pequeno da cabeça em relação à idade ou ao sexo da criança), Síndrome de West (tipo raro de epilepsia, que provoca atraso no desenvolvimento) e Síndrome de Lennox-Gastaut (grave forma de epilepsia generalizada).

“Eu não conhecia o canabidiol até assistir a uma reportagem na televisão, no ano passado. Antes disso, ele (a criança) já havia tomado todos os tipos de medicamentos que existem no Brasil, mas nenhum fez o efeito necessário. Chegou ao ponto do médico dizer que só uma cirurgia salvaria meu filho. Fomos para Ribeirão Preto (SP), passamos dois meses lá, mas depois dos exames os médicos disseram que no caso dele a cirurgia não era possível. Foi aí que soube do canabidiol e desde então tentamos consegui-lo. Como a decisão da Justiça não foi cumprida, decidi dar o chá, porque não tinha mais opção e precisava fazer alguma coisa”, recordou.

Para conseguir as sementes, ela conta que teve de recorrer a usuários de drogas da cidade. “A gente ferve elas (as sementes) na água, como se faz um chá qualquer, e depois de esfriar ele toma 20 ml, duas vezes por dia. No começo, minha mãe, que conhece muita gente na cidade, conseguiu algumas sementes, mas depois eu também comecei a procurar, mesmo com o medo natural que a gente tem de se aproximar de quem usa droga”, comentou a dona de casa.

A mãe explica que utiliza 26 sementes por dia, 13 por chá, já que a recomendação é uma semente para cada quilo da criança. “Depois que ele começou a tomar o chá não teve mais convulsões, passou a respirar melhor e conseguiu equilibrar o tronco, porque antes não conseguia ficar de pé”, relatou a mulher,

Acrescentando que, após a melhora do quadro de saúde, a criança conseguiu voltar para a escola.
Além da dificuldade natural de conseguir as sementes, a mulher relata que a situação é ainda mais difícil porque um único usuário não consegue a quantidade de semente necessária para o chá. “Temos que pedir a mais de uma pessoa. No começo, houve desconfiança dessas pessoas sobre o que eu realmente queria, mas depois que eu contei a situação do meu filho eles passaram a me dar de graça, sem nenhum problema”, destacou.

Apesar dos efeitos do chá, a mãe diz que ainda tem esperança de receber o medicamento determinado pela Justiça. “O chá está fazendo efeito, mas o canabidiol é a opção mais adequada, pois tem a medicação completa. Sei que estamos fazendo uma coisa errada, até já me sugeriram ter uma planta em casa, mas não quis, pois só pegamos as sementes porque não há mais o que fazer. Tenho fé que o remédio um dia vai chegar e meu filho vai levar a vida de uma forma quase normal”, concluiu a mulher, também mãe de uma menina de dois anos.

Outra mãe que também procurou usuários de drogas para dar o chá ao filho de oito anos mora na cidade de Livramento, no Cariri paraibano. “Procurei com o maior medo e expliquei para que era e eles me repassam de graça”, revelou. Ela, que é agricultora, 29 anos, garante que os resultados têm sido positivos, com a criança estando mais ativa e com menos crises de epilepsia desde que começou a ingerir a bebida, há seis meses.

Os efeitos
Os efeitos do produto nos pacientes são totalmente diferentes dos que ocorrem num usuário de maconha, já que ele não tem os efeitos do THC (tetrahidrocanabinol), substância química existente na maconha, principal responsável pelos efeitos da planta. Além da dificuldade de importação, o acesso ao canabidiol é dificultado pelo fato do medicamento não estar disponível na rede pública de saúde, sendo hoje avaliado em U$ 485 cada embalagem.

Polícia Federal
A Polícia Federal não quis comentar oficialmente o risco do uso do chá ser criminalizado, devido à complexidade do caso e a inexistência de um processo, mas informou que a prática pode ser enquadrada no artigo 28 da Lei Antidrogas (Nº11.343), por uso e porte de droga. A pena para os usuários incluiria advertência, prestação de serviços comunitários e cumprimento de medidas socioeducativas.

O que diz a AGU
Procurada pela reportagem, a Advocacia Geral da União (AGU) informou, através de sua assessoria de comunicação, que por se tratar de uma ação executória encaminhou a decisão da Justiça para o Ministério da Saúde (MS), responsável pela compra do medicamento. Já o MS, também através de sua assessoria, informou que “o processo para a aquisição do medicamento encontra-se em andamento e, assim que for concluído, o medicamento será encaminhado ao paciente”. Enquanto isso, a União segue pagando multa diária de R$ 2 mil, já que, segundo a sentença, o prazo para fornecimento da substância se encerrou em março.

'Via crucis' pelo medicamento

31 de julho de 2014
Uma ação civil pública foi movida pelo Ministério Público pedindo a liberação da importação da substância canabidiol, composto derivado da maconha, e o uso por paraibanos que sofrem com síndromes convulsivas.

14 de novembro 2014
Defensoria Pública Federal em Campina Grande entra na Justiça Federal contra a União pedindo a compra e repasse do Canabidiol para duas crianças. Em dezembro consegue liminar e até o momento aguarda o cumprimento da sentença, cujo prazo terminou em março.

14 de janeiro de 2015
O canabidiol deixou de ser proibido no país pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Com a medida, a Anvisa pretende facilitar pesquisas e o acesso ao produto, usado para tratar males como epilepsia em crianças que não respondem bem a outros medicamentos.

8 de julho de 2015
A Justiça Federal determinou que a União providencie a aquisição de canabidiol para fornecimento gratuito pelo Estado a 16 pacientes (12 crianças, 2 adolescentes e 2 adultos) paraibanos.

15 de julho de 2015
O MPF ajuizou ação civil pública, com pedido de liminar, para que a União e o Estado da Paraíba forneçam o canabidiol gratuitamente a 18 pacientes. Pede-se que o medicamento seja dado, mensalmente, em quantidade suficiente para o tratamento de cada um deles, por tempo indeterminado.

Entenda o que significa e quais os usos do canabidiol

O que é o canabidiol?
Sem efeito psicoativo, o canabidiol (CDB) é uma substância canabinoide existente na folha da Cannabis Sativa, a planta da maconha. De acordo com pesquisadores, não causa efeitos psicoativos ou dependência.

Em que casos o medicamento pode ser usado?
O elemento possui estrutura química com grande potencial terapêutico neurológico, ou seja, pode ter ação ansiolítica, que diminui a ansiedade, antipsicótica, neuroprotetora, anti-inflamatória, antiepilética e agir nos distúrbios do sono.

Como funcionam os trâmites de importação e uso do medicamento?
O Conselho Federal de Medicina (CFM) autorizou neurocirurgiões e psiquiatras a prescrever remédios à base de canabidiol para crianças e adolescentes com epilepsia, cujos tratamentos convencionais não surtiram efeito. Com a liberação da Anvisa, o medicamento passou a ser incluindo na lista de produtos controlados.

Como o caso ganhou maior notoriedade?
Após uma família ter obtido na Justiça o direito de importar a substância, a Anvisa passou a liberar a importação após análise caso a caso. Os pais de Anny, Katiele e Noberto Fisher, ficaram conhecidos no país, após a Justiça conceder, em abril de 2014, a autorização para a importação do canabidiol. A criança, com 5 anos, sofre de uma rara doença chamada Síndrome de Rett CDKL5, que chegou a causar cerca 60 crises convulsivas em um único dia.

Imagem

Jornal da Paraíba

Tags

Comentários

Leia Também

  • compartilhar no whatsapp
  • compartilhar no whatsapp
    compartilhar no whatsapp
  • compartilhar no whatsapp
  • compartilhar no whatsapp
  • compartilhar no whatsapp