VIDA URBANA
Ser agente penitenciário na Paraíba é viver em constante risco
Hoje, 60 profissionais estão afastados para tratamento de saúde; os recentes casos de homicídios envolvendo agentes como vítimas causa medo na categoria.
Publicado em 03/05/2015 às 12:00 | Atualizado em 14/02/2024 às 12:21
No trabalho, eles evitam demonstrar medo. Na rua, tentam viver no anonimato, escondendo a farda e o distintivo que os identificam como agentes de segurança penitenciária. Vivendo sob o clima constante de ameaça e insegurança, os profissionais que têm a missão de cuidar das prisões, temem pelas suas vidas. Os agentes trabalham sobrecarregados: são cerca de 1,3 mil profissionais, mas apenas 500 nos plantões para dar conta de quase 10 mil presos em todo o Estado. Em meio ao perigo e dificuldades, muitos acabam desistindo da profissão. Por semana, pelo menos um agente pede exoneração do cargo, segundo dados da Secretaria de Administração Penitenciária (Seap).
O presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários da Paraíba, Manuel Leite, disse que o número de agentes penitenciários é de aproximadamente 1,3 mil, sendo que é preciso subtrair desse total os profissionais que estão afastados para tratamento de saúde, férias, ocupando cargos de direção, etc. “Na ativa, hoje, fazendo plantão nos presídios e cadeias públicas da Paraíba, não temos mais que 500 homens”, destacou Leite. Aumentar o efetivo é uma das reivindicações da categoria.
Atualmente cerca de 60 agentes estão afastados para tratamento de saúde, segundo informou a Seap. Os recentes casos de homicídios que tiveram agentes penitenciários como vítimas deixam os profissionais ainda mais cautelosos. As vítimas foram Nicássio Lima, morto na porta de casa, em Bayeux; José Marcelino, agente aposentado, no Jardim Treze de Maio; e Ivonilton Coriolano Júnior, em João Pessoa. O corpo de Coriolano foi encontrado com pés e mãos amarrados, no rio Jaguaribe. A polícia identificou os suspeitos dos crimes, mas se isso traz algum conforto à família das vítimas, não tranquiliza os agentes que estão diariamente nas prisões e temem entrar para as estatísticas.
“Quem entra no sistema não consegue ter a mesma vida de antes”, disse um agente penitenciário que não quis se identificado. Ele está no sistema há um ano, mas já sente os efeitos do estresse. O agente revelou que a família teme pela segurança dele. “O fato de estarmos em contato direto com os sujeitos do crime, nos torna um alvo em potencial, por isso não podemos nos descuidar. É um estado constante de alerta”, declarou.
Os agentes evitam frequentar locais públicos, como shows na praia e até eventos religiosos, porque temem serem alvos da violência. Se vão a restaurantes, adotam estratégia para ter uma visão ampla. “O agente que fica de costas para a entrada do estabelecimento está vacilando”, comentou. Sobre o distintivo, eles preferem guardar em local seguro, para evitar a identificação em casos de assaltos. Em alerta ficam não apenas o agentes, como também seus familiares e amigos.
De agente a preso por homicídio
Carlos Alberto Barbosa, ex-agente penitenciário e hoje cumpre pena de homicídio no Presídio do Roger. (Foto: Francisco França)
Durante 12 anos, Carlos Alberto Barbosa exerceu a função de agente penitenciário, passando por vários presídios de João Pessoa e Campina Grande. No Serrotão, chegou a ocupar o cargo de diretor-adjunto. Em sua experiência profissional ele coleciona lembranças amargas, como das vezes que foi feito refém e que tentou evitar fugas no sistema carcerário da Paraíba. Mas a vida do agente teve uma reviravolta impressionante: há um ano ele cumpre pena por homicídio no Presídio do Roger.
Barbosa disse que matou para não morrer, após ser reconhecido por criminosos enquanto bebia em um bar, no bairro de Mandacaru, em João Pessoa. “Ele (a vítima) começou a me provocar. Embora eu tivesse largado a vida de agente penitenciário, o rosto fica marcado”, declarou. Segundo Barbosa, após sucessivas provocações, a vítima partiu para cima dele, que estaria desarmado. “Na briga corporal, consegui tirar a arma dele e atirei”, afirmou. Dias depois o ex-agente se apresentou à delegacia e de lá foi levado para o Presídio do Roger, onde aguarda julgamento pelo crime de homicídio.
A história de Barbosa desperta curiosidade na penitenciária. Ele, que era conhecido por ser um agente 'linha dura', agora convive com os presos de 'igual para igual'. Segundo Barbosa, que considera a prisão injusta, disse que percebe os olhares diferenciados de outros presos, mas que busca manter a harmonia tanto com os colegas de cela quanto com os antigos colegas, os agentes penitenciários.
Ele contou também que decidiu largar a profissão para atender aos apelos da mulher e dos filhos, que viviam assustados. Ao longo dos anos que passou nas prisões, Barbosa desenvolveu problemas psicológicos, mas nunca recebeu assistência por parte do Estado. “Eu vivia assustado. À noite tinha pesadelos, acordava chorando. Depois que você entra no sistema não tem mais tranquilidade”, explicou o ex-agente. Depois de ter sido feito refém por duas vezes, no Roger e na Máxima de Mangabeira, Barbosa ficou com o psicológico ainda mais abalado.
O trauma de quem já foi refém de presos
“Foi no momento do banho de sol. Eles (os presos) nos fizeram reféns, tomaram nossas armas e conseguiram fugir do presídio. Isso foi há 20 anos, mas até hoje as lembranças continuam fortes e ainda me perturbam”, declarou um agente penitenciário que pediu anonimato. Com 35 anos no sistema, ele disse que já se afastou pelo menos dez vezes para tratamento de saúde. “O estresse aqui dentro é intenso, não tem como ser a mesma pessoa”, destacou.
Conforme declarou o agente, que já trabalhou no Roger, Máxima, Sílvio Porto e Média, conviver diariamente com presos acusados dos mais diversos crimes abala o emocional de qualquer pessoa. “Eu diria que é um clima de tensão que não se acaba quando a gente vai para casa, pelo contrário, aumenta. Nas ruas temos que ter cuidado redobrado com nossa segurança e da nossa família”, afirmou o agente penitenciário, destacando que não tem medo de encontrar desafetos na rua, mas evita se expor.
Ele disse também que, pensando em seu bem-estar, busca tratar os apenados de forma justa e harmônica. “Não podemos tratá-los com desdém ou com violência. Primeiro porque isso é contrário aos direitos humanos, segundo porque temos que pensar em nós e na nossa família”, explicou. Nas ruas, o agente disse que nunca teve problemas com ex-apenados que encontrou, mesmo assim prefere ficar em alerta.
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