VIDA URBANA
Vencendo a cegueira: condição não impossibilita conquista de sonhos
Estudante Sidney Andrade perdeu a visão há três anos e não desistiu dos planos
Publicado em 21/06/2015 às 7:00 | Atualizado em 07/02/2024 às 17:23
Perder a visão no início da fase adulta e sentir sonhos e perspectivas indo embora. Foi nessa situação que o comunicólogo de Campina Grande Sidney Andrade, 28 anos, se encontrou ao descobrir que não poderia mais enxergar, exatamente em um momento onde estava cheio de planos para o futuro.
No entanto, a deficiência visual foi responsável também por fazer com que ele começasse a ter mais vontade de viver. Passado o impacto da notícia, Sidney reassumiu o controle da situação e deu continuidade aos projetos que tinha traçado, ingressando no Mestrado em Literatura e Interculturalidade, da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), como exemplo de superação.
“Há três anos, perdi a visão e algumas perspectivas. Mal imaginava eu que, tempos depois, eu estaria fazendo, sem ver, exatamente aquilo que planejei fazer enxergando. Eu tinha parado de pensar em qualquer outra coisa e estava focado só na perda da visão. Minha primeira reação foi tentar resolver e quando eu percebi que não tinha como reverter mais, passei por um processo de depressão até começar a aceitar”, comentou Sidney, ao falar sobre o seu problema visual. Desde os 19 anos ele perdeu a visão total do olho direito, devido a sucessivos descolamentos de retina, que acabaram comprometendo parcialmente a visão do olho esquerdo dele.
Apesar desses transtornos, Sidney ficou com um resíduo visual bom o bastante para continuar sua vida sem ser necessário fazer grandes alterações no seu cotidiano. A leitura no papel ainda era possível e para ler no computador ele precisava apenas ampliar um pouco a tela. Mas no final de 2011, quando estava concluindo o curso de Comunicação Social, também da UEPB, ele, que já era baixa visão, teve glaucoma no olho esquerdo e acabou perdendo completamente a visão. Como era um curioso em tecnologias assistivas, já conhecia alguns recursos que facilitam a vida das pessoas com deficiência visual e explica que não foi muito difícil se adaptar a elas.
Nesse período de adaptação, Sidney revela que o apoio das pessoas mais próximas foi substancial para motivá-lo a superar os desafios. Quem acompanhou de perto esse processo não duvidou da capacidade dele, como enfatizou o professor doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da Universidade Federal de Pernambuco Luciano Justino, que é orientador de Sidney no mestrado. “Ele é um pesquisador de alto nível e sempre teve um compromisso muito grande. Para mim não foi diferente em nada orientá-lo, pela maturidade dele e, claro, pela questão da tecnologia que contribuiu muito. Ele foi um dos meus melhores orientandos”, destacou. (Especial para o JP)
Resgate da autonomia com o mestrado
Entender como se dá a leitura por meio dos ouvidos. Isso foi o que instigou a curiosidade de Sidney, levando-o a desenvolver a sua dissertação de mestrado. Com o tema Deficiência Visual e Leitura Literária no Contexto das Mídias Digitais, ele buscou compreender a leitura feita por meio dos Leitores de Telas, que são programas capazes de converter o conteúdo verbal dos computadores e smartphones em uma voz artificial, que reproduz o som das palavras e oportuniza a leitura realizada por ouvidos de quem não pode usar os olhos. Assim ele acabou resgatando sua autonomia.
“O mestrado veio como a minha alternativa. Como eu já não tinha perspectiva de voltar a enxergar, eu me perguntei: o que é que eu vou fazer agora? Como eu já tinha pensado em fazer o mestrado, a minha reação mais espontânea foi dar continuidade aos planos que eu já tinha. Já pesquisava sobre literatura e resolvi fazer algo voltado para a deficiência visual. O que eu quis investigar foi quais sãos as diferenças entre fazer uma leitura com os olhos e uma leitura com os ouvidos”, comentou Sidney.
Ele fez a prova escrita para a seleção do mestrado utilizando o seu próprio computador, já que a UEPB não dispunha de ledores para fazer a leitura da prova para ele. Ao sair o resultado de que havia sido aprovado a reação foi de surpresa. Já o primeiro dia de aula foi de insegurança, pois seria a primeira vez que ele ficaria longe de pessoas conhecidas após ter perdido a visão. Ao mesmo tempo ele destaca que isso foi importante para fazer com que ele voltasse a se virar sozinho e conquistasse novos amigos.
O professor doutor Luciano Justino fala que esse trabalho de Sidney é importante para mostrar esse novo tipo de leitura em três níveis fundamentais. “A primeiro questão é saber que tipo de leitura é essa feita a partir da escuta. A outra questão foi transformar a experiência dele em objeto de pesquisa, mostrando a relação da tecnologia com a leitura. A terceira foi ele, como leitor, problematizar essa que é uma leitura particular. O projeto que tem tudo para ser ampliado para um doutorado, podendo ser também uma experiência aplicável à educação básica”, pontuou.
Há dois anos ele buscou assistência no Instituto dos Cegos de Campina Grande, onde aprendeu a leitura em braile e atualmente é monitor da sala de informática do próprio instituto. A dissertação do Mestrado foi defendida na última quarta-feira e ele já vislumbra um projeto de Doutorado, enquanto estuda para concursos públicos.
Deficiência atinge 823 mil na PB
Sidney é um exemplo de que a cegueira não é uma condição que impossibilita as pessoas de levarem uma vida normal, mesmo com todas as limitações impostas por ela. A deficiência visual atinge 823.039 paraibanos, de acordo com o Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mas ainda não foram contabilizados quantos deles integram o ensino superior. Contudo, as instituições destacam a importância de promover a inclusão social dessas pessoas.
Para a pró-reitora estudantil da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Núbia Martins, é fundamental que as instituições de ensino superior adotem políticas inclusivas e estejam preparadas para receberem esse alunado. “É de grande importância promover a inclusão nas universidades para dar a elas o acesso à educação. É necessário também que haja um preparo por parte delas para receber essas pessoas”, comentou.
A pró-reitora acrescenta ainda que existe alguns obstáculos a serem enfrentados no ensino superior, no que diz respeito ao interesse das pessoas que apresentam algum tipo de deficiência. “Ainda temos alguns gargalos nesse sentido porque elas são um pouco inibidas, o que as levam a não procurarem ingressar na universidade. Quanto aos estudantes que já estão na universidade, nós procuramos fazer visitas aos cursos para buscar saber quais são as reais necessidades de cada um”, disse.
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