COTIDIANO
Zé Ramalho passou por aqui antes da fama
Publicado em 22/02/2017 às 7:54 | Atualizado em 31/08/2021 às 7:46
Oh, eu não sei se eram os antigos que diziam
Todos conhecem. É o verso inicial de Vila do Sossego, de Zé Ramalho.
Sabem de onde vem o título da canção? Da casa onde ele morou na Avenida Ingá, no bairro de Manaíra, em João Pessoa, há mais de 40 anos. O artista chamava a casa de Vila do Sossego. Lá, recebia os amigos, compunha, tocava, cantava.
Nos aviões que vomitavam paraquedas
Esse verso traduz uma visão de Zé Ramalho: os paraquedistas saltando nas imediações do aeroclube de João Pessoa, que ficava (e ainda fica) perto da Vila do Sossego. Se comparado com o de hoje, o bairro de Manaíra daquela época era praticamente deserto.
Ontem (21), eu estive na frente da Vila do Sossego. A casa ainda existe. Bati palmas, mas ninguém atendeu.
A ida à Vila do Sossego fez parte de um périplo pela João Pessoa dos anos 1970. Coube a mim mostrar à jornalista Chris Fuscaldo (com ela estava a cineasta Ceci Alves) os lugares por onde Zé Ramalho passou antes da fama.
Chris Fuscaldo vive e atua no Rio de Janeiro, mas escolheu um paraibano para ser seu biografado. Há dez anos, trabalha no projeto de contar, num livro, a história de Zé Ramalho. O trabalho está na reta final.
Da sede do Cabo Branco, no Miramar, onde a primeira canção composta por Zé foi ouvida pelo público, ao quartel do 15 RI, em Cruz das Armas, onde ele prestou o serviço militar, percorremos muitos lugares.
O Jardim das Acácias, que originou a canção, era o lugar onde morava o artista plástico Raul Córdula. No Pio X, Zé foi aluno e, mais tarde, fez show na quadra do colégio. No ginásio do Astrea, dividiu (ele e Os Quatro Loucos dos irmãos Miranda) o palco com o jovem Roberto Carlos. Anos depois, já um nome nacional, reuniu uma multidão no show que fazia com Amelinha.
O Teatro Santa Roza recebeu o show Atlântida, em 1974. E o Vou Danado Pra Catende, de Alceu Valença (Zé estava na banda com sua viola), em 1975. E a Coletiva de Música da Paraíba, em 1976. Na coletiva, Zé cantou Avôhai pela primeira vez em público. Eu estava lá. Foi inesquecível!
No adro da igreja de São Francisco, houve o Encontro Artístico Espiritual da Paraíba, em novembro de 1974. Ao lado, ficava o colégio Lins de Vasconcelos. De lá, Zé saía pela Duque de Caxias e, na esquina com a Miguel Couto, entrava na Stop, a melhor loja de discos da cidade, dos irmãos Carlos Roberto e Roberto Carlos de Oliveira.
Do Lins de Vasconcelos, Zé saía também para o Cine Municipal. A quinta-feira era o dia das sessões do Cinema de Arte - resultado do diálogo sempre harmonioso do empresário Luciano Wanderley com os críticos da cidade.
Levei a biógrafa de Zé Ramalho no velho Municipal. No beco ao lado, encontrei Nivaldo, que trabalhou no cinema. Estava sentado numa poltrona azul que, no passado, recebeu tantos espectadores. Ele me deu uma chave, abri um cadeado numa corrente enferrujada, e me vi nas ruínas do cinema.
A sala empoeirada, as poltronas amontoadas em frente à tela onde, como Zé, vi Woodstock, ícone de uma geração. E, claro, Chaplin, Hitchcock, Fellini, Truffaut, Kazan, Kubrick! E os Beatles!
Chris Fuscaldo visitou todos esses lugares com a emoção de quem está escrevendo a biografia de Zé Ramalho. Eu, com a nostalgia de quem foi contemporâneo de histórias que o livro vai contar.
A selfie flagra o instante em que me vi abrindo a porta lateral do velho cinema. Parecia um sonho. Mas não era um sonho alegre.
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