Professores da UFPB fazem conferência na Universidade de Pisa sobre a relação entre paz e música

Marcílio Franca Filho discute o papel da música em defesa da paz entre as nações e Felipe Avellar de Aquino faz solo de violoncelo, instrumento que virou símbolo da paz.

Marcílio Franca Filho e Felipe Avellar de Aquino em Pisa

Uma universidade com mais de seis séculos de história, cujas edificações já estavam de pé quando os portugueses chegaram ao que viria a se transformar no Brasil. E que foi a instituição em que gênios como Galileu Galilei estudou e lecionou e onde ele criou as bases de suas teorias revolucionárias na área da física e da astronomia. Pois essa é a Universidade de Pisa, na Itália, uma das mais importantes instituições de ensino superior da Europa, que foi palco de uma conferência sobre música e paz e que teve como protagonistas dois professores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

Marcílio Franca Filho é professor do Centro de Ciências Jurídicas e Felipe Avellar de Aquino é professor do Departamento de Música da UFPB. O jurista é um estudioso das intersecções entre Direito e Arte que está passando uma temporada como professor visitante em Pisa, enquanto o musicista é um violoncelista que foi para a Europa realizar um total de cinco concertos em três países diferentes (Itália, Suécia e Alemanha). Pois, na coincidência de estarem simultaneamente em território italiano, foram convidados pela Universidade de Pisa para a conferência e ambos foram agraciados com a comenda “Il Cherubino”, uma das maiores da Universidade de Pisa.

Professores da UFPB fazem conferência na Universidade de Pisa sobre a relação entre paz e música
Comenda “Il Cherubino”, da Universidade de Pisa

O evento contou com dois momentos distintos e foi aberto para a comunidade acadêmica italiana. Mas ambos os professores paraibanos ressaltam, em tom impactado e emocionado, a presença de professores visitantes e estudantes ucranianos, refugiados de guerra acolhidos pela Itália e pela universidade italiana.

No que se pode chamar de primeiro ato, Marcílio Franca Filho fez uma conferência sobre o papel da música na disseminação da paz mundial.

A música é uma excelente metáfora para um ‘processo de paz’, já que é ela própria, a criação musical, o resultado da resolução de conflitos entre notas, entre instrumentos, entre interpretações, entre dissonâncias que dialogam e se harmonizam”, comentou Marcílio.

No segundo ato, Felipe Avellar de Aquino realizou um concerto solo denominado por ele de “Um Violoncelo pela Paz”, em que executou músicas de três renomados compositores mundiais, o espanhol Gaspar Cassadó, o brasileiro Clóvis Pereira (nascido em Pernambuco) e o húngaro Zoltán Kodály. Em comum às três músicas, o fato de que todas dialogam com o folclore de seus respectivos países.

De certa forma, a escolha das músicas reforça a irmandade e a necessidade da paz entre as nações. Três países completamente diferentes, mas que se aproximam justo por causa do diálogo com o folclore”, explica Felipe.

Professores da UFPB fazem conferência na Universidade de Pisa sobre a relação entre paz e música
Marcílio Franca Filho e Felipe Allencar de Aquino com o reitor Paolo Maria Mancarella, da Universidade de Pisa

Os bastidores da conferência 

Marcílio Franca Filho relembra com muito respeito da conferência que proferiu, das músicas executadas pelo seu colega paraibano, da simbologia de um evento como aquele acontecer numa universidade europeia com mais de 650 anos de história. Ao mesmo tempo, destaca com muita deferência de experiências vividas nos bastidores do evento, que foi organizado pelo Centro Interdisciplinar de Ciência pela Paz da instituição italiana.

Ele explica que o reitor da Universidade de Pisa, o professor Paolo Maria Mancarella, convidou-os para um jantar com professoras ucranianas refugiadas de guerra, presentes na Itália apenas com filhos e filhas, já que os respectivos maridos permaneceram no país por causa dos conflitos.

Foi um encontro emocionante. Uma experiência da paz, que reuniu pessoas envolvidas com a guerra”, descreve Marcílio.

Ele comentou ainda, sob à ótica do direito e da dignidade humana, algumas “iniciativas de paz” que estão em curso na Universidade de Pisa, como a tradução da constituição italiana para o ucraniano a fim de preparar o país para receber o grande número de refugiados que vem chegando ao país. “Estão fazendo isso para que os refugiados conheçam os seus direitos no novo país. É o tipo de iniciativa que é útil e relevante. Algo muito tocante”, avalia.

Professores da UFPB fazem conferência na Universidade de Pisa sobre a relação entre paz e música
Marcílio Franca Filho em sua conferência sobre música e paz

Marcílio Franca Filho comenta ainda um acaso registrado antes mesmo do evento em si. Circulava pelas ruas de Pisa em direção à universidade quando chegou à conclusão que era importante levar “alguma lembrancinha” ao reitor, o anfitrião do dia, apenas por cordialidade. Divagava por esses pensamentos quando passou defronte a uma agradável livraria toscana. Resolveu entrar.

Procurava por entre as centenas de títulos algum que lhe agradasse, preferencialmente de algum autor brasileiro, como forma de firmar uma espécie de conexão entre o Brasil e a Itália, quando se deparou com uma bonita tradução para o italiano de “O Auto da Compadecida”, do escritor paraibano Ariano Suassuna. Não restavam mais dúvidas. Levou o livro e o presenteou ao reitor, não sem antes afirmar orgulhosamente que se tratava de um famoso escritor da mesma terra que ele.

“Foi algo não previsto, mas que acabou casando bem com o concerto do professor Felipe Avellar. Porque a música de Clóvis Pereira tocada por ele dialoga com o movimento armorial idealizado por Ariano Suassuna”, prosseguiu.

Com relação à conferência propriamente dita, Marcílio falou dos sons da guerra e da paz, sobre como a música pode servir para ambas. “Música é uma ação profundamente social, nunca é inocente, e, como todo resultado da conduta humana, é ambígua”.

Para além disso, contudo, a despeito da consciência da sua ambiguidade, enumerou uma série de episódios históricos em que a música foi determinante para a paz. Como, apenas para ficar em um exemplo, a “West-Eastern Divan Orchestra”, sinfônica fundada em 1999 com o específico objetivo de promover um diálogo entre músicos de países e culturas historicamente inimigos. “O som da paz, nas sociedades multiétnicas, multirreligiosas e multiculturais é inclusivo, diverso, dialógico, polifônico, múltiplo, plural”, finaliza.

Um instrumento a serviço da paz

A escolha do título do concerto de Felipe Avellar Aquino, “Um Violoncelo para a Paz”, não foi aleatório. E isso não apenas porque é o instrumento que o musicista executa. Mas, de acordo com o professor, o violoncelo se consagrou ao longo da história como sendo muito fortemente relacionado à paz.

Ele cita alguns exemplos que ajudaram na fama do violoncelo. Um deles é o do violoncelista espanhol Pau Casals, que se negava a tocar em qualquer país que estivesse em guerra. E promoveu ao longo da vida dois autoexílios, sendo um musical e outro político. O musical foi o fato de se negar a tocar durante toda a Segunda Guerra Mundial, como um protesto contra o belicismo entre os países. O político foi ter deixado a Espanha e só retornado ao seu país de origem após o fim da ditadura franquista.

Professores da UFPB fazem conferência na Universidade de Pisa sobre a relação entre paz e música
Felipe Avellar de Aquino com seu violoncelo, um símbolo da paz

Outro exemplo citado por Felipe é o do azerbaijano Mstislav Rostropovitch, nascido ainda na época da União Soviética, que enfrentou problemas políticos em seu país por sua defesa intransigente da paz e da liberdade de expressão. Em 1989, nos dias que sucederam a queda do Muro de Berlim, foi solitariamente até os escombros, e, em nome da união entre os povos, executou em via pública uma série de obras de Bach.

O violoncelo tem sido um instrumento muito relacionado à paz. É um símbolo da paz”, defende Felipe.

O violoncelista e professor paraibano falou um pouco também sobre o papel da música para ele na construção da paz. “Acredito fortemente que, quando a gente toca um concerto, a gente é capaz de tocar o coração das pessoas. São pequenos gestos que podem estimular iniciativas de paz entre as pessoas”, refletiu. “A construção da paz mundial é um gesto contínuo”, completou.

Além do mais, Felipe Avellar destacou um pouco de sua experiência no evento. E comentou como o lugar, o contexto, o entorno, podem ser fundamentais para a performance. Ele citou a “magnífica conferência de Marcílio” e o belíssimo “Palazzio de Sapienza” da universidade (onde o evento foi realizado) para justificar a sua opinião.

“Tocar num ambiente desses é extremamente inspirador. Isso tem um efeito maravilhoso para a performance”, conclui.

Professores da UFPB fazem conferência na Universidade de Pisa sobre a relação entre paz e música
Palazzio de Sapienza, na Universidade de Pisa