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CULTURA

80 anos de Gonzaga Rodrigues

Jornalista Gonzaga Rodrigues completa 80 anos de uma vida dedicada ao jornalismo.

Publicado em 21/06/2013 às 6:51 | Atualizado em 04/08/2023 às 14:11


                                        
                                            80 anos de Gonzaga Rodrigues
Jornalista Gonzaga Rodrigues (Foto: Arquivo Pessoal)

São 80 anos de vida completados nesta sexta-feira, dos quais mais de 60 deles dedicados ao jornalismo e à literatura. Com o nome de batismo que homenageia o ícone da cultura nordestina, Luiz Gonzaga Rodrigues pode ser considerado uma lenda viva ou o ‘Rei da crônica paraibana’.

Natural da brejeira Alagoa Nova, filho único de Manuel Avelino Rodrigues e Dona Antonina Freire Rodrigues, Gonzaga desde cedo mostrou interesse pela literatura. Autodidata, não chegou a terminar o antigo ginasial e nem julgou que isso teria algum peso ou seria algum obstáculo para a sua trajetória como escritor.

Conciliou a literatura com o jornalismo quando chegou a João Pessoa. Fez-se um ‘professor’ no batente como repórter, revisor, tradutor de telegramas, autor de ensaios, entre outras funções nas redações dos principais jornais do Estado.

Testemunhou e fez História sendo testemunha ocular de movimentos como a formação das ligas camponesas e se fazendo presente como o homem de pensamentos e ideologias políticas sem militâncias, que dividia ideias e reivindicações com governantes como José Américo de Almeida (1887-1980), José Agripino, Wilson Braga e Tarcísio Burity (1938-2003), entre outros.

Já foi Secretário de Comunicação, presidente da Associação Paraibana de Imprensa (API) e da Academia Paraibana de Letras (APL), onde ocupa uma cadeira de imortal. Mesmo acostumado a dizer que os livros foram sua universidade, foi reconhecido com o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

Já com anos de estrada jornalística que ajudou a pavimentar, defendia a instituição e o curso de Comunicação Social e a habilitação acadêmica que só se instalou no Estado no final dos anos 1970.

Sempre sonhou em ser poeta e escrever romances, mas emprestou o seu olhar atento e a sua sensibilidade de analisar o cotidiano para enriquecer a crônica paraibana, ofício que exerce desde 1970.

Atualmente suas reflexões e observações podem ser conferidas três vezes por semana nas páginas do JORNAL DA PARAÍBA.

Tinha a tríade formada pelo capixaba Rubem Braga (1913-1990), o ‘maior cronista do Século 20’, o mineiro Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e o maranhense Humberto de Campos (1886-1934) como uma das inspirações para ser e continuar cronista.

Dentre suas principais publicações, lançou a coletânea de crônicas Notas do Meu Lugar (Acauã), Retrato de Vida (Ideia), uma homenagem ao seu pai, e Café Alvear - Ponto de Encontro Perdido (Textoarte), reminiscências sobre as conversas políticas e culturais no Ponto dos Cem Réis entre as décadas de 1960 e 70.

Sempre de bom humor, jeito afável, simples, olhar paternal e uma voz rouca e branda que emite pacientemente a sapiência acumulada de anos, Gonzaga adiciona a modéstia quando reluta em ser chamado de ‘mestre’ pelos seus discípulos da imprensa.

Na entrevista concedida ao JP abaixo, pode-se conferir a memória viva do homem das letras, do pensador político e – acima de tudo – do jornalista chamado Luiz Gonzaga Rodrigues, considerado por muitos uma lenda viva.

Entrevista

JORNAL DA PARAÍBA - Como o senhor se sente chagando aos 80 anos?

GONZAGA RODRIGUES - Sou vitorioso como pessoa, mas derrotado como um sujeito de consciência social, porque o mundo que eu vi na minha adolescência continua o mesmo em relação aos índices de analfabetismo e a mortalidade infantil. Hoje em dia era para estar se fazendo uma revolução na educação. Se você não fizer a cabeça de seu povo, pode fazer estradas, pode derramar ouro, pode fazer transposição do São Francisco que vai ficar na mesma! Isso é de Paulo Freire: o uso do mundo depende da minha consciência. Se eu não tenho a consciência do que está em torno de mim, então o mundo passa bem longe.

JP - Como o senhor se enxerga no 'corpus jornalístico' atual?

GR - Como um companheiro que conseguiu sobreviver do ofício.

JP - O que o senhor acha do jornalismo atualmente?

GR - O jornalismo hoje se ampliou mais. Ele chega a quem sabe ler e a quem também não sabe. O sujeito para acompanhar o mundo não precisa abrir uma folha para ler o jornal. Talvez haja um grande prejuízo para quem não sabe ler ou quem não tem uma leitura consciente, o chamado analfabeto funcional. Eu nunca imaginei na minha existência, há 30 anos, quando vi pela primeira vez um computador, que chegasse a essa volatilidade tão grande.

JP - Mas e do ponto de vista de conteúdo?

GR - Eu acho que está muito superficial. É uma crítica que faço ao jornalismo em geral, que fica mais pela costa, como é o crescimento brasileiro. O jornalismo está meio circunscrito a isso, e todo resto é notícia escassa. Nós temos uma seca e só cobrimos as suas sequelas, não cobrimos a sua causa. Por que nós sofremos com essa seca se sabemos que é tão certa quanto o inverno? Por que não nos preparamos para ela? A imprensa é formadora de opinião e não apenas informadores de fatos ou especuladores políticos. No papel ideal, o jornal, o rádio e a TV deveriam ajudar a conscientizar o povo a reivindicar.

JP - Existe também uma ‘comodidade jornalística’ por parte dessas novas tecnologias? Está faltando o corpo-a-corpo?

GR - Muito, muito. E não precisa ir muito longe. Basta apenas um repórter sentar lá no banco de espera do Pan de Jaguaribe, ficar uma manhã ou uma tarde inteira ali, só ouvindo as histórias para fazer uma grande reportagem.

JP - O jornal impresso e o livro produzido em papel vão acabar?

GR - Acho que não. Você faz reflexão em frente de uma televisão ou acessando a internet? Eu acho difícil. Lendo um livro, você para e reflete, você volta e relê. Pensar não é fácil. Com a comunicação de hoje em dia, só fazemos receber, sem sermos instigados a pensar. Além da informação pura e simples, há uma parcela da população que exige algo além do factual.

JP - O Senhor teve que se adaptar nesses tempos de novas tecnologias como a internet?

GR - Eu fui obrigado compulsoriamente a me adaptar. Escrever minha coluna aqui no jornal à mão ou na antiga (máquina de escrever) Remington e trazer pra cá, era preciso alguém para digitar novamente. Estou indo bem. Recorro ao computador mais para ler os jornais, além de digitar a minha crônica. É só isso que sei fazer.

JP O que precisa para ser um bom cronista?

GR - A crônica entra o pessoal e o subjetivo. O que não tem conteúdo para ser uma notícia, mas que toca profundamente a pessoa, resta pra o cronista. Um bom cronista tem que ter – acima de tudo – sensibilidade. Não existe cronista sem sentir emoções.

JP - Quais são os melhores cronistas do Brasil nos dias de hoje?

GR - Tem um menino na Bahia que é um grande romancista: o João Ubaldo Ribeiro. Tem também o Carlos Heitor Cony, que é o mestre da crônica ligeira e profunda. Já o Clóvis Rossi é mais um articulista do que um cronista.

JP - O senhor é um grande defensor da memória paraibana. Atualmente ela está sendo bem tratada?

GR - Melhorou muito. A imprensa sempre teve um papel muito importante. Essa cidade deve a sua conscientização ambiental à imprensa. A Mata do Buraquinho continua em pé por conta dela. Na ditadura, quiseram abrir uma estrada no meio da mata para passar a linha da Chesf. Com essa abertura, iriam dar espaço para todo mundo fazer conjunto residencial lá. A imprensa se levantou sobre a liderança de um grande homem chamado Lauro Pires Xavier, uma figura a quem a Paraíba deve muito. A imprensa está tendo também papel importante na preservação do patrimônio histórico, apesar de que ainda falta muito para ser feito. Nós temos a cidade sendo abandonada lá nas Trincheiras, por exemplo. O mais lindo cartão postal da cidade é a Lagoa, mas ela não consegue ser parque pela concentração de barracas e estacionamentos. O parque é importante para a respiração da cidade, que complementa com a Mata do Buraquinho e a Bica.

JP - O Senhor sente saudades da João Pessoa de antigamente?

GR - Não sinto saudades. Eu vivo a João Pessoa de antigamente! Não saio dela e não olho para outra João Pessoa a não ser esta. Não vou ser cremado, nem ir para o Cemitério das Acácias, eu vou para o Cemitério da Boa Sentença mesmo! Eu adoro essa cidade!

JP - O Senhor se arrepende de algo nesses 80 anos de vida?

GR - Não me arrependo de nada. Nem aos meus poucos inimigos – que eu posso contar nos dedos – eu desejei o mal! Tanto que alguns que morreram chegaram a me desejar o bem.

JP - Como o senhor resumiria em poucas palavras a sua trajetória?

GR - Jornalista, jornalista e jornalista!

Imagem

Jornal da Paraíba

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