CULTURA
A glória centenária de um anjo caído
Centenário de Nelson Rodrigues é lembrado em todo Brasil, desde a bienal do livro, às páginas dos principais veículos da imprensa do país.
Publicado em 23/08/2012 às 6:00
Nelson Rodrigues conheceu a glória e o fracasso perante a opinião pública desde muito cedo. Aos 7 anos, o pernambucano tinha passado metade da infância zanzando pela zona norte carioca, para onde se mudara com a família de 14 irmãos diretamente do Recife, onde o pai, o jornalista Mário Rodrigues, era perseguido politicamente.
À época, já aterrorizava a vizinhança da rua Alegre, onde tinha a fama de 'tarado' por ter sido pego aos beijos com a pequena Odélia, um ano mais nova do que ele. Foi então com alívio que a mãe de Nelson, dona Maria Esther Falcão, acatou o pedido do garoto de frequentar o colégio, a apenas dois quarteirões de sua casa no bairro Aldeia Campista - onde também era conhecido por ser frequentador assíduo dos velórios, realizados ainda nas salas dos casarões.
A criança suja, de cabeça grande e pernas peludas, foi matriculada na escola pública Prudente de Moraes, onde a professora dona Amália Cristófago ensinou-lhe as primeiras letras.
Assim que se viu apto a escrever, Nelson estarreceu a classe com uma redação. No texto, um marido traído surpreendia a mulher e o amante no ato, executando os dois sumariamente. O trabalho levou nota máxima, mas deu a corda em que Nelson se enforcaria mais tarde, já no colégio Batista, na Tijuca, onde cursava a segunda série do ginásio e foi expulso com um sonoro veredito: rebeldia.
"Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico”, dizia Nelson, cujo centenário é comemorado hoje.
Homenageado em todo o país, da Bienal do Livro em São Paulo às páginas dos principais veículos da imprensa - de cuja história participou ativamente, como jornalista e cronista esportivo -, Nelson, o dramaturgo, o romancista, tornou-se, enfim, unânime por excelência.
Se, como reza o seu maior aforismo, há alguma burrice nisso, ela decorre do fato de que nem sempre foi assim. Há apenas duas décadas, a obra de Nelson, o bardo dos subúrbios, cronista das tragédias, veneno que correu na boca dos adúlteros, das viúvas e das virgens do Brasil, não era tão popular.
Quem afirma é Ruy Castro, que em 1992 sentava-se com 125 pessoas para relembrar parte da história que, hoje, cada biógrafo de mesa de bar reproduz à sua maneira em conversas que ajudaram a perpetuar Nelson Rodrigues em nossa memória coletiva: "O Anjo Pornográfico saiu em outubro de 1992, imagine! Em 1992 ninguém queria saber de Nelson Rodrigues - suas peças estavam fora de cartaz, os livros estavam fora de catálogo e ele próprio, fora de cogitação da maioria", lembra em entrevista ao JORNAL DA PARAÍBA.
Menos como anjo que como fênix, Nelson emergiu tardiamente como o vulto que hoje é, criticamente aplaudido após ter ouvido soar a vaia (para ele, "mil vezes mais forte, mais poderosa e mais nobre do que a grande apoteose").
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