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CULTURA

A hora da estrela Clarice

Traduções e lançamentos lembram os 35 anos de morte da escritora cuja obra estendeu domínios para áreas do jornalismo e psicanálise.

Publicado em 09/12/2012 às 19:00


Como um dos tantos mistérios da prosa e da própria Clarice ("Com todo perdão da palavra, eu sou um mistério para mim", dizia ela em uma de suas muitas frases que hoje pululam nas redes sociais), os 35 anos da sua morte são lembrados neste domingo, véspera das comemorações dos 92 anos de seu nascimento.

Clarice Lispector (1920-1977), a esfinge talhada na Ucrânia que devorou os leitores brasileiros, que mal começaram a tentar decifrá-la, chegou ao seu justo momento ou "hora de estrela" na literatura nacional com novos lançamentos e traduções de obras que a devolverão para o mundo.

A autora brasileira mais publicada do exterior, segundo dados da Fundação Biblioteca Nacional (FBN), terá seu romance A Cidade Sitiada (1949) traduzido para o espanhol no próximo ano por uma editora argentina, fruto do Programa de Apoio à Tradução da FBN.

A tradução argentina se somará às traduções americanas, que acabam de ser tema de matéria de capa na revista nova-iorquina Bookforum, que define a ficcionista como portadora de "um instinto visionário" e de um romanceiro "cerebral e fundamentalmente não narrativo".

"Eu suspeito que a razão de a ficção filosófica de Clarice Lispector ter inspirado tamanha devoção dramática nas pessoas seja a sensação de que ela está falando sobre o mais básico e complexo da experiência humana: a consciência alienante do que é estar vivo", opina, no texto publicado este mês, a escritora Rachel Kushner.

A matéria cita a biografia Clarice, (Cosac Naify, 648 páginas, R$ 89,00), do americano Benjamin Moser, como responsável por apresentar o trabalho de Clarice Lispector aos seus compatriotas, em 2009. No Brasil, após vender mais de 30 mil exemplares, a biografia ganhou ano passado uma versão pocket (752 páginas, R$ 29,90).

INTERDISCIPLINAR
Este ano, foi a vez de a vasta obra estender seus domínios para outros campos como o jornalismo (que ela exerceu em passagens pelo Departamento de Imprensa e Propaganda, nos anos 1940, e por jornais como 'A Noite', 'Diário do Povo', 'Comício', 'Correio da manhã' e 'Diário do Norte') e a psicanálise (que perpassa por páginas de profundidade psicológica que tangenciam as teorias desenvolvidas por Freud e Lacan).

A psicanalista e pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) Maria Lucia Homem lança amanhã, em São Paulo, No Limiar do Silêncio e da Letra (Boitempo, 200 páginas, R$ 34), estudo que situa Clarice na crise da subjetividade do Século 21, relacionando-a aos vultos de Freud, Lacan, Nietzsche, Adorno, Barthes, Foucault, Auerbach, entre outros.

Na entrevista a seguir, divulgada pela editora, Maria Lucia Homem fala da afinidade que os três últimos romances de Clarice Lispector (Água Viva, de 1973; A Hora da Estrela, de 1977; e Um Sopro de Vida, de 1978) com as transformações que vieram a reboque da virada do Século 19 para o 20.

Já Clarice na Cabeceira - Jornalismo (Rocco, 256 páginas, R$ 32,00), lançamento que também está nas prateleiras, dá continuidade à série que em 2009 reuniu 22 fãs (como Luiz Fernando Veríssimo e Fernanda Torres) para depor afetivamente sobre o apego ao universo clariciano.

Em 2010 foi a vez de Clarice na Cabeceira - Crônicas (Rocco, 280 páginas, R$ 24,00), com 20 crônicas de nomes como Ferreira Gullar e Caetano Veloso; e, ano passado, de Clarice na Cabeceira - Romances (Rocco, 272 páginas, R$ 35,00), que convocou José Castello (Ribamar) para fazer uma fortuna crítica dos seus nove títulos.

No volume jornalístico, a organizadora faz um apanhado de cinco mil colunas femininas, 300 crônicas e 100 entrevistas de um intelecto forjado na faculdade de Direito, mas que, desde a década de 1950 (quando estreara precocemente na literatura, tendo os seus contos lidos aos 19 anos), escrevia em jornais sob pseudônimo Helen Palmer.


Entrevista

- Você está lançando o livro 'No Limiar do Silêncio e da Letra: Traços da Autoria em Clarice Lispector", no aniversário de 35 anos da morte da escritora. A que se propõe seu livro? Qual a leitura que ele faz da obra de Clarice Lispector?
- MARIA LUCIA HOMEM - O livro propõe uma análise da obra da Clarice focando, sobretudo, nos seus três últimos romances: Água Viva, A Hora da Estrela e Um Sopro de Vida, todos escritos nos anos 1970. Neles, revela-se, de forma mais clara, uma inquietação com os limites da escrita - daí a ideia de abordar o tema do silêncio (o que se pode, afinal, escrever?) e da autoria (quem, de fato, escreve atrás do que escrevo?). Essas perguntas não deixam de estar em relação com uma nova noção de subjetividade inaugurada por Freud, aquele pautado sobretudo pelo inconsciente.

- A obra de Clarice Lispector já foi analisada sob a ótica da psicanálise por outros autores. Que contribuição seu livro traz para estudantes e profissionais da área?
- A psicanálise forma um campo bastante abrangente, composto por linhas de força diversas, unidas pelo conceito básico de inconsciente. Dessa maneira, é um referencial praticamente inesgotável para a leitura das obras de arte e das produções estéticas. Neste caso, utilizo sobretudo as contribuições inaugurais de Freud e as formalizações de Lacan, que focou especialmente a estrutura da língua como objeto. Lembremos do famoso aforisma lacaniano: "o inconsciente é estruturado como uma linguagem". Assim, a psicanálise é uma ferramenta muito importante para se trabalhar a literatura, arte da linguagem.

- Qual a intersecção que seu livro faz entre a obra literária de Clarice Lispector e a psicanálise?
- Há vários fios na obra de Clarice que nos convidam a uma abordagem centrada na psicanálise. Eu destacaria, como ponto central, a ideia de sujeito do inconsciente e toda uma teoria estética que daí deriva, principalmente no tocante ao não-domínio absoluto do autor sobre a obra e sobre o próprio processo criativo e de escrita. Trata-se de um fazer que ultrapassa a consciência e a racionalidade, e que a arte, de forma mais direta, desde as vanguardas do 20, vem questionando. Nesse enquadre se situa a obra de Clarice Lispector, interrogando tanto os cânones quanto os estilos e formatos da criação literária. Daí o silêncio ser tema tão recorrente em sua obra. Nesse esteio, chegamos à obra lacaniana, na qual, entre vários conceitos, eu destacaria sua tríade RSI: Real, Simbólico, Imaginário, registros entrelaçados da experiência humana.

- No prefácio do livro, Yudith Rosenbaum escreve que o salto maior da sua tese é "quando problematiza o próprio conceito de 'sujeito', que ganha uma reconfiguração valiosa, tanto para os estudiosos da literatura, quanto para os psicanalistas em sua prática clínica e o público em geral". Como você define esta reconfiguração do conceito de sujeito?
- A partir de Freud, a ideia de sujeito sofre uma subversão em relação ao pensamento clássico da Modernidade, que pautava o humano sobretudo pela Razão e pela Consciência. Daí, inclusive, vieram grandes conquistas, como a Ciência moderna com seu método experimental de abordagem da natureza; a virada técnico-científica que foi a Revolução Industrial e as transformações profundas de concepção de indivíduo e sociedade, que culminaram nas Revoluções Francesa e Americana. Na virada para o século XX, com a formalização do inconsciente -e de uma metodologia clínica e um aparato teórico de acesso a ele- um novo paradigma se instaura. Nas palavras de Freud: "o Eu não é mais senhor em sua morada". Clarice Lispector parece estar em sintonia com toda essa discussão e coloca sua escrita nessa nova embocadura de compreensão do humano.

- Qual considera ser a principal descoberta, releitura que seu livro faz acerca da obra de Clarice Lispector?
- O livro propõe uma abordagem mais ampla da obra clariceana, trabalhando numa interface multifacetada que abrange teoria da literatura, filosofia e psicanálise. Ou seja, estamos no universo das ciências chamadas humanas e sua busca de constituição de uma nova ideia de subjetividade e de arte que, agora, na virada para o XXI, parecem ser fundamentais para a leitura.

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Jornal da Paraíba

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