CULTURA
A literatura de algemas
Determinação judicial retira das livrarias de Macaé, no Rio de Janeiro, títulos eróticos, como os da trilogia 50 Tons de Cinza.
Publicado em 19/01/2013 às 6:00
A ação foi em Macaé (182 quilômetros do Rio de Janeiro), esta semana: apoiados na decisão do juiz Raphael Baddini de Queiroz Campos, policiais realizaram uma verdadeira operação armada para apreender, nas livrarias da cidade, títulos eróticos como os volumes da trilogia 50 Tons de Cinza, da Editora Intrínseca; o romance Algemas de Seda e a antologia de contos 50 Versões de Amor e Prazer, ambos da Geração Editorial, esta última organizada pelo escritor Rinaldo de Fernandes.
De acordo com a Ordem de Serviço nº 1/2003, expedida pelo magistrado da 2ª Vara da Família, da Infância, da Juventude e do Idoso de Macaé, os livros só poderiam ser vendidos "lacrados e com classificação indicativa na capa".
Em comunicado divulgado por e-mail, a Geração Editorial alegou que, segundo a determinação do Ministério da Educação, tanto Algemas de Seda quanto 50 Versões de Amor e Prazer informam, em sua capa, a recomendação de leitura para maiores de 18 anos. Já a editora Intrínseca, por meio de sua assessoria de imprensa, informou que ainda não foi notificada oficialmente pela justiça da suposta irregularidade e que não tem uma posição sobre o caso, apesar de estar acompanhando o desenrolar dos fatos.
Procurado pela reportagem, o dono de uma das livrarias em que ocorreram as apreensões afirmou que, por orientação do seus advogados, não iria se pronunciar. Um dos seus representantes, o advogado Carlos Nicodemos, informou que o seu cliente recebeu um auto de infração e que tem até o dia 24 para apresentar sua defesa, que será realizada pelos seus advogados na data.
"É perfeitamente compreensível o cuidado que se deve ter com o acesso a publicações de conteúdo ofensivo, mas já temos elementos que demonstram uma inobservância dos procedimentos e protocolos que foram adotados neste caso, que é focal e não tem repercussão em outros cenários, em outros estados, com outros juízes", declarou Nicodemos.
Segundo Rinaldo de Fernandes, a decisão do juiz foi "infeliz" e "esquizofrênica". "A arte erótica é permanente e secular, sempre existiu e é diferente da pornografia", opina o antologista. "A decisão é, ainda por cima, parcial, já que deveria atingir todos os produtos eróticos do mercado, e aí temos todo um caldo cultural que divulga o erotismo hoje em dia, da internet às novelas", lembra Rinaldo.
O organizador de 50 Versões de Amor e Prazer ressalta que o recolhimento das obras no Rio de Janeiro foi um 'tiro que saiu pela culatra', já que o interesse pelas obras cresceu em todo o país. A escritora Marília Arnaud, que participa da antologia, concorda: "Os livros apreendidos vão vender mais ainda".
A jovem Luísa Geisler, cujos textos também estão presentes na antologia, acrescenta: "Subestima-se o perfil do jovem brasileiro, que aos 18 anos muito provavelmente já teve contato com alguma narrativa de sexo, filme pornográfico etc. E, o pior de tudo, subestima-se o valor que a literatura tem. Sexo não pode ser tabu e, sexo na literatura, muito menos".
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