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CULTURA

A natureza nonagenária

Um dos grandes nomes da pintura da Paraíba, Hermano José comemora neste domino 90 anos de vida dedicada à arte e à ecologia.

Publicado em 15/07/2012 às 8:33


“Eu digo sempre: não peguei a barca de Noé, que veio pra salvar tudo. Peguei a barca do naufrágio, onde não se salva ninguém.

Nos meus 90 anos, o que vivi foi isso”, sentencia o artista plástico Hermano José. “É obrigação de todo mundo passar para o outro o melhor que pode. Se puder ajudar, ajude. Estamos todos no mesmo barco. E vai para onde isso?”

Nascido no ano da Semana de Arte Moderna, neste domingo o paraibano completa suas nove décadas de vida dedicadas à arte na ativa e vivendo o momento. “Você tem a consciência que deixou alguma coisa que vale a pena ser apreciada pelo outro.”

Pintor, gravador, ilustrador, ativista cultural e ecológico, as suas pinceladas obedeciam as curvas da mãe natureza – a sua melhor ‘modelo viva’ – retratada na maioria das obras. “A natureza sempre foi meu assunto mais forte”, concorda. “O que é mais forte que o mar? O que é mais forte que o céu? É muito fácil levantar um arranha-céu, mas criar uma árvore para ela ficar alta, grande e bonita é muito mais difícil.”

A musa do artista sempre esteve ao seu lado, desde a sua infância em Caiçara, no Brejo paraibano, onde apreciava as grandezas de “duas forças da natureza” representadas pela Pedra do Pão de Açúcar e pelo Rio Curimataú. No começo dos anos 1930, do interior para a capital, aos 11 anos, a paixão à primeira vista foi o ponto mais oriental das Américas, a barreira do Cabo Branco, onde Hermano não parou de pintá-la até 1956, quando se mudou para o Rio de Janeiro.

Na ‘Cidade Maravilhosa’ acolheu artistas pupilos que carregam seus ensinamentos, a exemplo dos conterrâneos Miguel dos Santos e Flavio Tavares. Viu o Museu de Arte Moderna (MAM) nascendo, em 1948, e se envolveu em um novo ofício: as gravuras em metal, onde conquistou o mundo. Uma dessas obras faz parte do acervo do Museu Metropolitano de Nova York, nos Estados Unidos.

Para o artista, a sua pintura nos anos 1950 – onde não sabe quantas vezes retratou a falésia do Cabo Branco – e as gravuras metálicas nos anos 1960 são suas melhores fases artísticas.

Atualmente, Hermano José está pintando figuras mais geométricas, prismáticas e abstratas porque está “vivendo mais isso” (há um ano lançou a exposição inédita As Cores que Pulsam, em João Pessoa). O senhor de 90 anos que presenciou e ‘documentou’ a natureza ainda fica indignado com o descaso dos avanços das “florestas de pedras” dos edifícios ‘espigões’ e a poluição sonora dos “acadêmicos da mediocridade”, representados pelos carros ‘paredões’ de som na orla perto de sua residência, no bairro do Bessa.

Em muitas tonalidades que saíram da paleta do artista plástico se preservou na sua memória e nas suas telas, mas também se perdeu na moldura da realidade. “As lembranças estão por aqui, principalmente na época que achou que foi melhor do que hoje.”

FARSA KRAJCBERG
Na sua trajetória, Hermano José representou as alamedas do Centro Histórico, o vesúvio das depressões naturais, o bucolismo dos engenhos, a mágica circense, entre tantos outros elementos.

Há 4 anos, o militante da preservação ecológica do Cabo Branco viu o ecossistema acima da falésia dar lugar à Estação Ciências, complexo arquitetônico criado pelo carioca Oscar Niemeyer, o arquiteto que “encheu Brasília de concreto armado”.

“Trocar um projeto de um paisagista de fama internacional (do paulista Roberto Burle Marx nos anos 1970) por um projeto já decadente de Niemeyer, que nem ele sabe onde foi feito, deu naquilo: em cima da barreira, caindo tudo e que cada vez se constrói mais.”

Apesar de achar outras obras de Niemeyer bonitas, como a Catedral de Brasília e o Itamaraty, Hermano nunca foi conferir o que fizeram com uma de suas modelos mais pintadas. Muito menos visitar a exposição Natureza Extrema, do ecologista de renome internacional Frans Krajcberg, alojada no novo anexo do local, a Estação das Artes.

“Eu acho que ele (Krajcberg) é um falso. Um polonês que chegou ao Brasil sem nada e hoje é rico”, critica. “Nós estamos vivendo uma farsa, em todos os sentidos.”

O paraibano teme que lugares explorados turisticamente como a Praia do Jacaré, no Litoral Norte – paisagem que frequenta atualmente – perca suas características naturais ao longo do tempo.

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Jornal da Paraíba

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