CULTURA
Adeus ao grande pensador do Brasil
Após perder Chico Anysio, o Brasil chora a morte do chargista, humorista, escritor, tradutor e dramaturgo Millôr Fernandes.
Publicado em 29/03/2012 às 6:30
O país fica ainda mais sem graça. Depois da morte do humorista Chico Anysio, na última sexta-feira, outro gênio do humor nos deixou, aos 87 anos: Millôr Fernandes. Era um dos grandes pensadores do Brasil. Não só pensador: cartunista, humorista, dramaturgo, escritor, tradutor, entre outras ocupações filosóficas.
De acordo com o filho do escritor, Ivan Fernandes, ele teve falência múltipla dos órgãos e uma parada cardíaca. Morreu na noite de terça-feira, em sua casa, no bairro de Ipanema, Rio de Janeiro.
Segundo a família, o velório acontece hoje até as 15h, no cemitério Memorial do Carmo, zona portuária do Caju. Em seguida, o corpo será cremado.
O estado de saúde de Millôr era delicado desde o ano passado, quando chegou a ser internado por duas vezes.
"Conheci o Millôr antes de ele ser Millôr Fernandes. Assinava Van Gogo, na revista O Cruzeiro", relembra o quadrinista Maurício de Sousa. "Eu me alimentava com as tiradas geniais, algumas que, por ser muito jovem, nem entendia. Era um humor atilado, sofisticado. Com o tempo, fui perdendo o Van Gogo e conhecendo a majestade do humor de Millôr."
“Era extremamente inteligente em seus pensamentos”, declara José Alberto Lovetro, o JAL, presidente da Associação dos Cartunistas do Brasil (ACB). “Ele foi realmente o 'filósofo brasileiro', fazendo do seu bom humor uma arte e, sobretudo, ensinamentos.”
“Millôr foi um grande analista político, um poeta da charge”, declara o ilustrador paraibano William Medeiros. “Tinha um humor tão refinado e elevado que poucas pessoas entendiam.”
“A imprensa fica mais pobre com sua morte”, lamenta o cartunista paraibano Henrique Magalhães. “Mais do que um humorista, ele era um pensador com seus textos de sacadas espirituosas e não necessariamente engraçadas”, frisa.
JAL denomina o escritor carioca como 'pai' do jornal O Pasquim.
“No fundo, a Revolução de 1964 foi feita pelos humoristas, ludibriando a censura na época. Uma revolução pelo cérebro, sem violência, mas com muito humor.”
O motivo da paternidade é atestado pela sua criação anterior: O Pif-Paf, considerado a gênese da imprensa alternativa no país pelo próprio serviço de informações do Exército. "Não temos prós nem contras, nem sagrados nem profanos", tinha como jargão editorial o jornal.
"Nos últimos anos, acompanhei como e quando pude aquela visão de mundo que ele nos passava", afirma Maurício de Sousa. "E aqui e ali, com críticas super-inteligentes. Deixa um legado para a eternidade."
SER OU NÃO SER
"Nascido Milton Fernandes, no Meyer, em 16 de agosto. Ou em 27 de maio? Ou em 27 de maio do ano anterior? Há desencontros de opinião na família", escreveu o próprio no seu site oficial, Millôr Online (www.millor.com.br).
Além da incerteza de sua data de nascimento, aos 17 anos descobriu que – por causa de uma caligrafia duvidosa – foi registrado como 'Millôr' e não 'Milton' como acreditava.
Foi um dos principais tradutores de Shakespeare, além de escrever peças como Um Elefante no Caos (1960). “Foi transformada num excelente espetáculo pela genial direção de João Bittencourt. Uma das poucas vezes que um diretor melhorou um trabalho meu”, chegou a declarar.
Definia-se como um "escritor sem estilo" e era avesso à entrevista. Uma de suas poucas aparições foi no Programa do Jô, em 2000, no lançamento do seu site "porque estava no contrato". Devido ao sucesso da página, declarou que “se eu soubesse o que atrai tanta gente, nunca mais faria de novo.”
Sempre plugado nas novas tecnologias e nas redes sociais da internet, possuía uma conta no Twitter com mais de 360 mil seguidores.
Chegou a escrever sobre ele mesmo: "Meu destino não passa pelo poder, pela religião, por qualquer dessas entidades idiotas. Meu script é original, fui eu quem fez. Por isso não morro no fim".
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