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CULTURA

As estruturas de Bernardes

Abordando a vida e obra do engenheiro Sergio Bernardes, documentário 'Bernardes' estreia nesta quinta-feira (26) na capital.

Publicado em 26/06/2014 às 6:00 | Atualizado em 02/02/2024 às 11:06

“Tudo tem que ser poesia”, já dizia o carioca Sergio Bernardes (1919-2002), um dos maiores arquitetos nascidos no país, que assinou plantas que são ‘cartões-postais’ de João Pessoa como o Espaço Cultural José Lins do Rego (que será entregue dia 4 depois de sua primeira grande reforma) e o Tropical Hotel Tambaú.

Edificando a sua vida e obra, estreia a partir desta quinta-feira, no CinEspaço (MAG Shopping), na capital paraibana, o documentário Bernardes (Brasil, 2014), dirigido por Gustavo Gama Rodrigues e Paulo de Barros. O longa-metragem terá sessões diárias sempre às 20h.

A produção acompanha as descobertas do também arquiteto Thiago Bernardes pela história do avô. Durante muito tempo, ele tentava esconder o sobrenome para seguir o curso sem as exclamações sobre seu parentesco.

“O filme é uma busca muito pessoal do Thiago, que queria entender quem foi o seu avô”, explica o diretor Paulo de Barros. “Durante o período de estudos não se falava de Sergio e ele quis saber o por quê”.

Para o neto, que acompanhou os quatro anos de produção do documentário, o filme serviu como uma verdadeira terapia, onde ele visitou pela primeira vez obras idealizadas por Bernardes desde das residências particulares nos anos 1950, como a Casa da Lota de Marcelo Soares, no Rio de Janeiro, passando pelas homéricas construções como o Espaço Cultural, que “representa muito da cabeça de Sergião”, aponta Thiago Bernardes. “É uma estrutura que tinha algo maior envolvido que é a educação”.

Além de tentar buscar sua própria linguagem como arquiteto, Thiago afirma que a convivência com o avô não dava margem para explorar seus feitos, pois o arquiteto gozava de um outro momento da sua vida. “Ele nunca foi ligado ao passado, só queria falar do futuro”, relembra.

Vanguardista, Sergio Bernardes foi um homem ligado à Natureza, que gostava de corridas e mergulhos, um verdadeiro ‘Don Juan’ que contratava estagiárias que lhe fizesse cafunés, além de ser dotado de uma memória de elefante.

“Se fosse vivo, ele trataria você como se tratava um filho. Todo mundo se sentava na mesa com ele”, afirma o neto. “Ele não era nosso”.

Uma das características principais de Sergio, apontada por Paulo de Barros, eram as suas provocações no sentido de instigar. “Ele era constantemente um provocador. Sua vontade era de melhorar a realidade, o sistema e a sociedade”.

Em determinada fase de sua vida, Thiago fala que seu avô se definia como um “inventor social”, onde era incompreendido por uma grande parte de seus contemporâneos. “Era muito fácil falar de um pensador a longo prazo como ele foi de maluco ou lunático”, compara. “Tudo que ele fazia era embasado e estudado. A sociedade tem que parar de ‘abafar’ esses pensadores”.

De acordo com Paulo de Barros, suas ideias de mudar o sistema também contribuíram para o arquiteto ter inimizades e ser tachado de ‘maldito’, principalmente nos ‘anos de chumbo’ do Brasil. “Tinha muita gente que não entendia o que ele falava”.

Thiago Bernardes explica que muitos o rotularam de direita nesta época, quando ele se envolveu com projetos do governo militar, mas a sua intenção era mudar o sistema. Um dos exemplos desse período foi o Monumento ao Pavilhão Nacional na Praça dos Três Poderes, em Brasilia. A consequência foi o desaparecimento de seu nome nos currículos das faculdades de arquitetura. “Ele era ligado ao povo. Mais do que ele não existiu”, defende.

Com depoimentos de arquitetos, amigos e familiares, Bernardes traça também a vida além da prancheta e das construções do personagem. Sua casa na avenida Niemeyer (RJ), tida como uma “embaixada cultural” da cidade, recebia nomes como Tom Jobim (1927-1994), Vinicius de Moraes (1913-1980), Dorival Caymmi (1914 -2008) e Os Mutantes, dentre outros, além de visitas internacionais como família Kennedy e a diva francesa Brigitte Bardot.

Outros tópicos da sua privacidade mais delicados, como o rompimento com o status quo ao deixar o casamento de 25 anos, em plena celebração de suas bodas de prata, também são abordados no filme.

“Ele era um arquiteto bem sucedido e, de repente, viu que não era nada disso que queria. O que ele queria era mudar o mundo”, analisa Thiago.

A produção do longa possibilitou ainda a recuperação do seu vasto material documental e iconográfico, há mais de uma década guardado, que se encontra atualmente sob os cuidados do Núcleo de Pesquisa e Documentário da FAU-UFRJ. São mais de 22 mil plantas, além de croquis, textos, teses e poesias.

FLA-FLU

“O filme não é de arquitetura”, aponta Thiago Bernardes. “Eu tinha questões para cada um dos entrevistados, mas não seguia um roteiro”.

Dentre eles está Oscar Niemeyer (1907-2002), amigo e parceiro de escritório logo no início da carreira de Bernardes. Para um entrevistado do documentário, era como se fosse o “Fla-Flu da arquitetura brasileira”, em alusão à clássica partida de futebol entre os principais times cariocas.

Preocupado com o Meio Ambiente, uma das características marcantes de Sergio Bernardes era a chamada ‘não-arquitetura’, onde a construção despretensiosamente não é protagonista do cenário, “que ela assimile o lugar e se junte a ele mimeticamente”, como o próprio autor explica em um dos comentários do filme sobre o Hotel Tambaú.

Assim como o Espaço Cultural, o estabelecimento hoteleiro pessoense foi visitado por Thiago Bernardes e a equipe de filmagem no ano passado.

“Tive uma sensação de nostalgia quando eu visitei João Pessoa”, revela. “É uma cidade que me emociona porque foi um local onde ele gostava muito, tinha vários amigos e uma relação muito forte. É muito importante que o documentário estreie aí”.

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Jornal da Paraíba

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