No meio rural de Sapé, na Zona da Mata paraibana, a casa da ama de leite de Augusto dos Anjos (1884-1914), Guilhermina, – personagem que ganhou versos do poeta – atualmente "amamenta" a cultura em volta do Paraibano do Século com um memorial que leva seu nome.
Começa hoje e vai até a próxima segunda-feira, Celebrando Augusto dos Anjos, evento aberto ao público que comemora os 131 anos de nascimento do autor do Eu.
As atividades vão acontecer no próprio memorial, localizado na Usina Cultural Santa Helena (o antigo Engenho Pau D'arco), na zona rural, escolas municipais, a Igreja Matriz e à sombra do velho Tamarino, onde o poeta lia e criava seus escritos.
De acordo com o organizador Jairo Cézar, a partir das 9h de hoje, três atores caracterizados de Augusto dos Anjos vão declamar poemas do paraibano em vários pontos de Sapé, com intuito de convidar a população para a celebração. “Onde tiver gente, nós vamos. Com isso, quebramos a barreira de que o evento poderia ser visto como só pra intelectuais”, explica.
Amanhã, às 8h, na abertura oficial, será assinado, no Memorial Augusto dos Anjos, uma ordem de serviço para a modernização do espaço. Segundo Jairo Cézar, além da criação de banheiros e adição de móveis, o local se expandirá virtualmente com plataformas que disponibilizarão documentos na internet.
Atualmente, o memorial disponibiliza para pesquisadores uma biblioteca específica sobre o paraibano, com livros esgotados, edições traduzidas em várias línguas como o espanhol e o alemão, uma série de documentos, acervo fotográfico, filmes e painéis que seguem uma ordem cronológicas, seguindo o personagem desde seu nascimento, passando pela árvore genealógica e chegando a sua morte, principal tema da sua obra.
Para aumentar o número de peças no acervo, será doado um quadro do artista visual Tônio chamado Augusto Criança.
Outro destaque na programação apontado pelo organizador é o concerto da Orquestra Sinfônica da Paraíba (OSPB), que será realizado na Igreja Matriz, na sexta-feira. “Será a primeira vez que a orquestra se apresentará em Sapé, depois de 90 anos de emancipação política”.
Amanhã, a banda mais antiga de Sapé, a Santa Cecília, fundada em 1922, tocará embaixo do tamarino.
Abecedário do poeta
Várias ações do Celebrando Augusto dos Anjos vão além do período de comemoração. Um exemplo são as atividades culturais e pedagógicas que envolvem a nova geração oriunda de Sapé na rede municipal de ensino.
“Haverá uma série de atividades envolvendo teatro e brincadeiras nas escolas municipais para criar uma relação entre a criança e Augusto”, conta Jairo Cézar, que também contribui quando escreveu o álbum Augusto dos Anjos em Quadrinhos (Patmos Editora), com arte de Luyse Costa, lançado no ano passado. “Só nesta ação serão seis escolas, mas nós queremos atingir todas as 40 da rede municipal. Com isso, garantiremos a preservação da memória de Augusto no ensino”.
Confira o resultado do concurso de poesia do 'Celebrando os Anjos de Augusto'
Soneto à Maria Bela
Eu, comandante e engenheiro das embarcações
Que navegam pelos mares intrínsecos do devaneio
Galgando castelos de ventos, ondas que massageiem
Brisas que deem frescor a este coração esmo.
Mando, da natureza, despojar matéria para as formas.
Construo mastros, popas, convés, resistentes velas...
Na difícil labuta sob intempérie, num espaço de
Duas primaveras sou dono de uma esquadra inteira.
Ergo soberbo olhar de satisfação, do horizonte infindável
Ao seu enleio com o firmamento, quebro as garrafas
Nos cascos; batizo toda a frota de Maria Bela.
E – ao encontro dela – asteio velas. Da mais segura
Enseada, ordeno que minhas caravelas felizes partam
Para naufragarem em suas procelas.
Allan Falcão – 1º Colocado
“Sertanejo”
O sertanejo é um“cabra” forte,
Que dia a diadepara-secom a morte,
Mas espera,pacientemente,ter a sorte,
De ver de novo, verde o seu lote.
Vive numaterrarachada,
Pelachama do fogo universal,
Envolvido num calor chamejante,
De umasauna natural.
Sofre o ardor causado pela secura,
Pela excelsa temperatura,
Ardor que ocasiona dor,
Que promove desventura.
Seu gado perece
E parece não ser gado,
Mas fósseis ambulantes,
Seres mirrados,
Não por inapetência,
Mas pela escassez depastos.
Homem que procura o oásis,
Que procura as águas termas,
Para curar-se de seus males.
Para sarar a terra enferma.
Por isso clama pelas densas nuvens,
Pelos torós, pelas chuvas,
Para trazer lama aos girinos,
Conforto ao lar das minhocas,
Alegria pro canto dos grilos,
Crescimento às mandiocas.
Clama como Davi,
Por pastos verdejantes,
Por águas tranquilas,
Por alegrias abundantes.
Mantém viva afé,
Fé que o impulsiona
Acontinuar lutando,
Contra os aspectos climáticos,
Contra os aspectos políticos,
Contra os aspectos pragmáticos.
Herói esquecido,
Que socorre o boi
Ao ouvir o seu mugido!
Mas lembrado pelo auxílio divino,
Que o socorre
Ao ouvir o seu gemido!
Jefferson Araújo - 2º Colocado
Noite de Luar
No cair de uma noite de luar
Ergue-se um ser majestoso
Uma salva de uivos paira no ar
Desabrocha um canídeo monstruoso
Da escuridão é o mais perfeito predador
Um vilão robusto e corpulento
A meia noite alcança seu esplendor
Olhos que flamejam um ódio violento
Essa besta infernal e sanguinária
Vaga pela noite na imensidão
Sempre a espreita e solitária
Buscando o mais pulsante coração.
Os dados foram lançados, aceita teu destino tenebroso.
Um jovem caminha sob uma névoa a lhe cegar
Fostes escolhidos por este caçador ardiloso
Distraído nem perceber a fera a lhe observar
De repente do bosque escutas um rosnar assombroso
Conhece teu carrasco ele veio te buscar
O jantar está posto a mesa
Instinto demoníaco e bestial
Dilacera a sua vitima indefesa
Momento sublime desse animal.
Demônio digno da realeza
Lunar encarnação do mal
Tem no alvorecer sua fraqueza
Voltando a sua forma pura, original.
Júlio César – 3º Colocado
B K A K
U K K E
As margens do Hífase revelamos o nosso amor
Liberamos luzes, cantamos blues
Como furto, erguemos nosso filho doando-o a uma única luz
Levitamos no início da manhã, e a sacra floresta
é um homem Anglo-Saxão absorto com sua amante –
sempre a simonia age em nós sem que percebamos um único instante.
A cada passo minúsculo habitamos um pôr do sol – o que é uma crise
Todo homem é cor, luz – isso as vezes impele o furor
pungente dos que nos soerguem – o amor se põem ao largo da carne!
As mulheres daqui não podem negar o porvir – sejam margem para algum mar
ou espelho d’água onde o luto é manifesto.
Daquilo que surge, ínfima é a ânsia que arrebenta-nos – outridade.
(A carne é reerguida da ruina dos anjos – disso poucos sabem)
No entanto eu, sou um peso vivo... Não suporto o vagido das flores!
Bruno Santos – 4º Colocado
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