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CULTURA

Bossa Nova com pé no Nordeste

Com mais de 50 anos de carreira, músico capixaba Roberto Menescal, será homenageado na 14ª edição do Grammy Latino, em Las Vegas.

Publicado em 15/09/2013 às 6:00 | Atualizado em 14/04/2023 às 17:36

“Isso é consequência da vida. Tem sido até hoje assim”, confessa o capixaba Roberto Menescal ao JORNAL DA PARAÍBA sobre a homenagem que receberá no dia 20 de novembro, na 14ª edição do Grammy Latino, em Las Vegas, Estados Unidos.

“O que eu não gosto são os prêmios ‘badalativos’, só pra reunir um montão de artistas. Eu prefiro ficar em casa”, diz. “Agora quando tem um prêmio que você nem conhece as pessoas, onde eles julgaram você pelo trabalho que fez, eu fico muito feliz”.

A Academia Latina da Gravação vai conceder o Prêmio à Excelência Musical para sete artistas de várias partes do globo. Junto com o ícone da bossa nova estão o cantor e músico venezuelano Oscar D'León, o ‘Leão da Salsa’, o baixista, compositor e arranjador cubano Juan Formell, a cantora folclórica colombiana Totó La Momposina, o roqueiro argentino Palito Ortega, o pianista e maestro porto-riquenho Eddie Palmieri e o cantor e compositor espanhol Miguel Ríos.

“Por aí você vê que é uma coisa muito democrática mesmo. É o que cada um faz pelo seu país. Acho que a filosofia do prêmio é isso. Eu nunca fui um cara popularesco, mas tem pessoas aí de fora que são antenadas no que está acontecendo em cada país”.

No alto dos seus 75 anos, com mais de 50 deles dedicados à música, Menescal continua na ativa, com muitos shows pelo Brasil e mundo.

“Tivemos uma possibilidade de ir à Paraíba há um mês, quando fomos fazer o Festival de Inverno de Garanhuns (PE)”, revela. Mas a apresentação não se concretizou por causa de um conflito na agenda devido a uma apresentação no Espírito Santo, de jazz e blues.

“Há muitos anos que não vou à Paraíba. Vou te falar meio no chute, mas tem uns 15 anos. Eu fui com Wanda Sá e o projeto Pixinguinha”, puxa pela memória, recordando que também excursionou pelas matas de João Pessoa em virtude do seu “lado jardineiro”, pelo interesse por plantas. “Nunca mais tive oportunidade voltar à terra de vocês, mas voltarei com maior prazer”.

As raízes de um dos maiores produtores, compositores e instrumentistas do país são fincadas no Nordeste. “Meu pai era cearense. Eu tenho uma coisa ali na minha cabeça, no cantinho, uma coisa bem nordestina. Tanto que nos primeiros três anos da minha vida eu morei no Rio Grande do Norte, em Macau”.
Quando começou a tocar violão, uma de suas primeiras influências no aprendizado foi o conjunto potiguar Trio Irakitan. “Praticamente todos os dias da semana eu ia lá ‘bicar’ os ensaios deles”.

Também chegou a fazer o fole ‘chorar’, mas desistiu por ser um instrumento muito pesado. “Pouca gente que conheci tocava um acordeom bonito. Sivuca foi um grande mestre pra mim. Eu não era muito do acordeom regional, apesar de que a primeira música que comprei na minha vida foi o ‘Boiadeiro’ do (Luiz) Gonzaga. Eu tinha, acho, que 13 anos. Juntei um dinheirinho, fui comprar o disco e fiquei todo feliz naquele dia”.

Com apenas um ano como violonista, Roberto Menescal recorda que o primeiro trabalho como profissional foi com Sylvinha Telles (1934-1966). Depois que a cantora carioca o viu dedilhar o violão, prontamente o convidou para uma turnê. Mesmo alegando “não ter gabarito”, com um mês de ensaios já estavam na estrada. “E a gente saiu justamente pra o Norte e Nordeste. O primeiro trabalho meu profissional foi pela região de vocês. Eu tinha 18 anos. Foi em ‘mil novecentos e Araci de Almeida’”, brinca aos sorrisos.

A IRMANDADE

Em uma entrevista ao JORNAL DA PARAÍBA, em fevereiro de 2011, Dominguinhos falava sobre a ‘irmandade nordestina’ formada por nomes como Jackson do Pandeiro, Marinês e Genival Lacerda, que invadiu o Rio de Janeiro nos anos 1960.
Tal ‘irmandade’ ficou receosa quando veio a bossa nova.

“Ou trocava a sanfona pelo piano ou morria de fome”, dizia o pernambucano, morto em julho deste ano, aos 72.

“É a primeira vez que estou sabendo disso, mas eu posso te dizer uma coisa: eu fui o cara que contratou Dominguinhos pra Polygram”, afirma Menescal. “Eu era diretor artístico e quando conheci Dominguinhos me apaixonei pelo seu toque, porque ele era um cara que fazia a música muito regional e ao mesmo tempo chegava a fazer jazz. Ele tinha uma abertura que eu não imaginava em um sanfoneiro nordestino. Ele era um danado. E acabou sendo um ‘bossa nova’ que contratou ele, tá vendo?”

NAS ONDAS DO BARCO

Em 1985, Roberto Menescal já estava há 16 anos sem tocar por causa de sua função como produtor musical e artístico da Polygram; “Larguei os instrumentos, larguei as composições, larguei tudo”.

Nara Leão (1942-1989) convidou Menescal para produzir um disco apenas com voz e violão. Foram três meses trabalhando no projeto. No final, ele ofereceu três sugestões de violonistas para a cantora, que foi taxativa: “Quem vai fazer isso melhor que nós dois?” O resultado foi Um Cantinho e um Violão, além da sua primeira viagem para o Japão.

“De lá pra cá, já fui 30 vezes ao Japão. Eu sou meio japonês”, classifica o capixaba. “Não menosprezando o público brasileiro, mas o maior público da nossa música é o Japão”.

De acordo com o músico, dentre os lugares onde ele se assustou por gostarem da bossa nova estão Rússia, Cingapura e Austrália. “Pra mim aquilo foi uma coisa muito bonita. Até na Rússia a gente chegou”.

Ter a consciência da proporção dos acontecimentos nunca passou pela cabeça de Menescal e seus amigos da bossa nova. “Não tínhamos noção que aquilo seria um movimento. Eu falava: ‘segurar essa onda por um ano vai ser bom demais’. Eu não sabia nem o que era Carnegie Hall (se referindo ao famoso concerto de 1962 na casa de show de Nova York que apresentou a bossa nova ao mundo)!”.
A ‘ficha caiu’ quando uma dúzia de músicos de jazz que os brasileiros admiravam vieram recebê-los no aeroporto. “Comecei a entender que nossa música havia ido um pouco mais longe do que a gente sabia”, confessa.

Para ele, o clássico que criou junto com Ronaldo Bôscoli (1928-1994) já se transformou em patrimônio mundial. “Só em ver esse ‘O barquinho’ ai pelo mundo inteiro sendo regravado até hoje, eu tenho uma gratidão por ele. Já acho que ela não é minha mais. É aquele filho que foi embora pra fazer a sua vida por aí”.
Questionado sobre seu maior parceiro, sem sombra de dúvida Menescal aponta Bôscoli, dueto que saiu obras como ‘Nós e o mar’, ‘Telefone’ e ‘Balançamba’. “Pela amizade e aventuras que a gente passou juntos. A nossa música nasceu disso, das nossas vidas”.

‘STACEY IS HER NAME’

Dentre os ídolos de Menescal que estreitaram laços com ‘essa tal de bossa nova’, está o guitarrista de jazz norte-americano Barney Kessel (1923-2004). “Quando ouvi Kessel minha cabeça explodiu!”
Para o brasileiro foi a glória quando recebeu um disco do guitarrista interpretando ‘O barquinho’.

Outra que colhe a admiração do brasileiro é a cantora estadunidense Stacey Kent, que sempre faz shows no Brasil.

Quando a conheceu, há um ano, ele estava fazendo uma apresentação no Rio e não a reconheceu nos bastidores, principalmente porque Kent o abordou em bom português (estudava há quatro anos a língua por adorar a MPB): “Roberto Menescal, eu não acredito que você está aqui comigo!”

Após o show, quando foram devidamente apresentados, Menescal disparou: “Eu durmo com você toda noite. Eu, você e minha mulher”. Religiosamente, ele coloca um disco da cantora de jazz para dormir.

Em janeiro, os dois vão lançar um álbum que homenageia um clássico disco de Julie London e Barney Kessel, lançado em 1955. “Stacey começou a cantar depois de ter ouvido Julie Is Her Name, 30 anos depois de mim”, afirma. “Estamos fazendo um trabalho quase que revivendo aquele disco porque começamos a partir dele”.
No começo do próximo ano, a dupla também fará shows desse novo trabalho. Em primeira mão, Menescal revela que a sua sugestão para o nome do projeto seja Stacey Is Her Name.

Olhando para trás, Roberto Menescal não se arrepende de nada que passou nos seus mais de 50 anos de carreira. “Quando você vê a história, aquilo faz parte dos degraus da vida. Eu estou com 75 anos. Escolhi uma coisa com 17 anos e ela está durando a vida inteira. Um presente que não sei ainda quanto tempo vai durar”.

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Jornal da Paraíba

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