CULTURA
Brilho das quadrilhas juninas se apaga com a pandemia
Em Campina Grande o setor movimenta R$ 1,5 milhões anualmente.
Publicado em 23/06/2020 às 6:50 | Atualizado em 23/06/2020 às 17:56
Para o nordestino, era impossível pensar nos meses de junho e julho sem as festas de São João. Os festejos, que estão enraizados na cultura da região, fazem parte da memória afetiva dos paraibanos, e só uma pandemia foi capaz de fazer com que eles fossem cancelados.
Em Campina Grande, onde acontece o Maior São João do Mundo, a festa foi adiada para outubro, e nela foi depositada a esperança de um ‘boom’ econômico, para ajudar a cidade a se recuperar financeiramente após a crise causada pela pandemia do novo coronavírus. Só que, até lá, muitos setores beneficiados diretamente pelos festejos estão sendo prejudicados.
Entre eles, estão os grupos responsáveis por colorir e realizar grandes espetáculos, as quadrilhas juninas. De acordo com a Associação de Quadrilhas Juninas de Campina Grande e da região Agreste (Asquaju), são cerca de 20 grupos em atividade, grande parte deles produzindo, durante os seis meses que antecedem as festas juninas, apresentações que ao longo dos anos ganharam uma nova e mais glamorosa roupagem, com competições super disputadas.
A prefeitura de Campina Grande estima que, juntas, as 20 maiores quadrilhas juninas do município consigam movimentar diretamente cerca de R$ 1,5 milhões por ano. Segundo a Asquaju, são mais de 3,5 mil quadrilheiros e pelo menos 300 profissionais, entre costureiros, produtores, coreógrafos, maquiadores, e outros, que ajudam a desenhar o espetáculo desde sua criação até as apresentações.
O quadrilheiro Lima Filho,que é representante da Asquaju, explicou que há um convênio entre a prefeitura da cidade e as cerca de 20 quadrilhas associadas para que sejam repassados anualmente R$ 210 mil. O valor é dividido e destinado ao pagamento de despesas como montagem de espetáculos, viagens dos grupos, e apresentações em locais como rodoviária, aeroporto e Vila do Artesão.
Cada quadrilha recebe de R$ 13 mil a R$ 15 mil. Em meados de maio, o valor é repassado para complementar a renda já arrecadada ao longo do ano por meio de bingos e outros sorteios, realizados pelas próprios grupos. No entanto, em 2020, o valor só será repassado se as festas de São João ocorrerem no mês de outubro, como previsto.
Crise nos bastidores
São meses de esforço mútuo e dedicação de muitos profissionais que agora, com a impossibilidade de fazer o show continuar, precisaram se reinventar para se manter financeiramente. O costureiro Etialis Nascimento, que produz os figurinos de uma das maiores quadrilhas juninas do Nordeste, a campinense ‘Moleka 100 Vergonha’, é um deles.
Segundo Etiales, a pandemia do novo coronavírus fez com que todas as atividades da 'Moleka 100 Vergonha' fossem paralisadas no dia 15 de março, quando aconteceu o último ensaio da quadrilha. De lá para cá, o sentimento de incerteza quanto ao futuro das apresentações e das produções artísticas de costura, só cresceu.
“Só em 2019 fiz 209 figurinos para três quadrilhas. Para a 'Moleka 100 Vergonha', foram 80 figurinos, 40 masculinos e 40 femininos. Agora tudo parou, e não sabemos como vai ficar as apresentações em outubro e o seguimento das outras atividades.”, explicou.
Agora, a saída encontrada por Etiales para driblar a crise foi a produção de máscaras de proteção facial, usadas para prevenir a contaminação pelo novo coronavírus. Segundo o costureiro, são pelo menos 2 mil máscaras produzidas semanalmente para atender a demanda de pedidos e compor a renda até o novo normal começar a ser encarado.
O presidente da 'Moleka 100 Vergonha', Mahatma Gandhi, explicou que desde o início da pandemia tem dialogado com os quadrilheiros no sentido de priorizar a segurança de todos. A junina já havia iniciado as participações em festivais, como o municipal, e estava indo rumo ao festival estadual, mas assim como todos os setores, precisou parar por um bem maior.
"Quando a pandemia chegou ao Brasil, eu sabia que não teria São João. Tentei acalmar os dançarinos porque já tínhamos começado as apresentações nos festivais, mas é difícil. Temos quase 200 pessoas diretamente envolvidas na Moleka, somos praticamente uma família há mais de uma década juntos, mas infelizmente isso não vai acontecer esse ano.", comentou.
Mahatma acredita que, com o adiamento dos festejos juninos, as tradicionais quadrilhas de bairro irão voltar, porque não há como preparar um espetáculo grandioso como o observado em anos anteriores, em poucos meses, ainda que haja São João em outubro. Fora as dificuldades técnicas, o quadrilheiro também pondera em festejar num momento em que o Brasil contabiliza mais de 40 mil mortes por Covid-19, e a Paraíba, mais de 700.
"Estamos chegando a 50 mil mortos hoje. Há clima para a gente dançar, brincar? Caso a cidade de Campina Grande precise da Moleka para que ajude os setores afetados economicamente, teremos o maior prazer de tentar fazer a quadrilha, mas aquele espetáculo gigante, só em 2021.", explicou.
Já o arte educador e marcador da quadrilha 'Fogueirinha', de João Pessoa, Ronaldo Zebra, explica que a expectativa de que as competições aconteçam normalmente em 2021, são a esperança de que haja uma comemoração digna pelos 30 anos de história do grupo que possui cinco vice-campeonatos no Concurso Estadual de Quadrilhas Juninas.
O grupo fundado em 1991 em uma brincadeira de rua também precisou paralisar as atividades por conta da pandemia de Covid-19. Para Ronaldo, o período está sendo muito difícil, e os trabalhadores informais que dependem dos espetáculos da Fogueirinha para possuir renda financeira estão sendo duramente afetados.
“A pandemia afetou diretamente os trabalhadores informais da junina. Costureiras, aderecistas, marceneiros, soldadores, empresas de iluminação e efeitos especiais (fogos, explosões de serpentinas e confetes), fotógrafos, artesãos… Todos eles. Foi uma lástima. Ou melhor, está sendo.”, comentou.
O show tem que continuar
Para manter o público que prestigia a quadrilha entretido, e matar um pouco da saudade entre os próprios quadrilheiros, a junina 'Fogueirinha' passou a realizar lives, abordando temas como ansiedade e curiosidades sobre os festivais de quadrilhas que já disputou. As lives também servem para arrecadar fundos e alimentos para famílias que moram na comunidade onde a junina ensaia, e para realizá-las, todos os protocolos sanitários são adotados.
“Nossa banda toca ao vivo nas lives, com músicas que marcaram a história da junina e com marchinhas juninas. Tudo para oferecer aos quadrilheiros e ao público em geral, um momento com muito forró e arrasta pé.”, explica.
Já em Campina Grande, a Asquaju em parceria com a prefeitura da cidade e produtores parceiros, irá promover o 'Festival das Rainhas' online, no próximo dia 28 de junho. As candidatas à ocuparem o posto de Rainha das Quadrilhas 2020 irão desfilar em uma estrutura montada na Vila Sítio São João, e os jurados que irão eleger a vencedora estarão em suas casas. Toda a cerimônia será transmitida pela internet, através do canal da Universidade Estadual da Paraíba no YouTube.
Respostas
A Asquaju informou ao JORNAL DA PARAÍBA que o repasse do orçamento acordado entre a associação e a Secretaria de Desenvolvimento Econômico (Sedes) de Campina Grande, no valor de R$ 210 mil, está assegurado apenas se as festas de São João acontecerem em outubro. Durante a pandemia, e com o adiamento das festas juninas, não há repasse de qualquer outra verba por parte do poder público para auxiliar os quadrilheiros e os profissionais diretamente envolvidos nos espetáculos.
A assessoria de comunicação da Secretaria de Cultura de Campina Grande informou que a providência em torno de um possível auxílio aos quadrilheiros está sob responsabilidade da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do município. A Secult está sem secretário desde o mês de março, quando o então gestor Jóia Germano se afastou na intenção de disputar um lugar na Câmara Municipal de Campina Grande nas eleições 2020.
Sob supervisão de Jhonathan Oliveira*
Comentários