Calcanhotto, intimista

Partimpim parou por um tempo. Está ali, pertinho, mas descansando. “Eu vou tentar segurar o máximo dela, porque quando ela começa, ela me desconcentra, demanda muito de mim. Então, por enquanto, eu vou estudando as partituras e ela se espreguiçando”, disse Adriana Calcanhotto sobre a personagem que assumiu para seu trabalho paralelo, que já conta com três discos infantis e inúmeros shows pelo país.

Dois anos após uma cirurgia na mão que a fez aposentar temporariamente o violão, Calcanhotto marca sua volta com mais um belíssimo trabalho ao vivo. Olhos de Onda (Sony Music, em CD e DVD) traduz toda a elegância e talento de Adriana em voz e violão, fato que dispensa qualquer banda na hora em que as cortinas se abrem.

Pouca luz e poucos detalhes no cenário criam uma atmosfera intimista ao espetáculo. Pés apoiados sobre livros no chão e uma mesinha de centro: Calcanhotto não precisa de mais nada que tire a atenção da plateia. “Meu trabalho sempre foi teatral.

No momento que me aproprio daquela canção, já é um teatro”, disse, em entrevista por telefone. "Já me disseram que o show da Bethânia parecia um filme de arte passando toda noite. Isso é incrível e é o que eu tento passar".

De fato, quando Calcanhotto assume o centro do palco, seu envolvimento com as canções é hipnotizante. Um dos momentos mais memoráveis da apresentação é um teatro de sutilezas. Ao tocar a inédita 'Maldito rádio', é o único instante do show em que outra pessoa sobe ao palco apenas para segurar um radinho de pilhas, enquanto Adrina canta: 'Maldito rádio não me/faça lembrar dela/Volte pras notícias/Para o hit da nova novela'.

O repertório do novo trabalho, além das canções consagradas como 'Devolva-me' e 'Esquadros', tem outra música inédita ('E sendo amor') e versões para Amy Winehouse ('Back to black') e Sullivan e Massadas ('Me dê motivo').

No show, Adriana ainda canta mais uma parceria com Waly Salomão (1943-2003). “A minha relação com o Waly foi muito próxima. Ele era um cara sensacional, que tinha uma coisa de me proteger sempre. Ele sempre foi um crítico construtivo, tocava nos pontos fracos de tudo que eu fazia”, lembra, saudosista. “ Eu amo o Waly e sinto falta dele todos os dias”.

A turnê de Olhos de Onda estreou em 2013, em Lisboa, e percorreu 11 cidades por toda Portugal com o show que recebe o nome de uma canção sobre o país. Quando perguntada sobre sua relação íntima com Portugal, Calcanhotto conta que teve início quando ela foi estudar um poeta português. “Tudo começou quando me propuseram a musicar os poemas de Mário de Sá Carneiro (1890-1916). Mergulhei profundamente na obra dele. Depois disso, passei a visitar Portugal com frequência”, conta.

Essas viagens ao país deram origem também ao primeiro livro de Calcanhotto, Saga Lusa – O Relato de uma Viagem (Cobogó, 2008, 168 p.). "Quando vou a Portugal, tudo que eu penso é na língua de lá, nos poetas de lá. Essa interação é muito grande”, contou.

E por que não gravar o DVD em terras lusitanas (o show foi gravado no Rio)? “O Rio de Janeiro é a única cidade do mundo em que eu canto 'Essa cidade me atravessa' e é a mais pura verdade. Só isso já torna diferente, começar o show cantando sobre a cidade a qual eu estou presente”, diz, citando a letra de 'O nome da cidade', de Caetano Veloso.

A turnê do 'Olhos de Onda' continua e, por enquanto, passará apenas por Salvador aqui no Nordeste.