CULTURA
Com a palavra, o rei
Lançada originalmente em 1996, autobiografia de B.B. King, Uma Vida de Blues acaba de ganhar nova edição no Brasil.
Publicado em 06/03/2014 às 6:00 | Atualizado em 11/07/2023 às 12:26
B.B. King, o rei do blues. O sobrenome King (“rei”, em português), de Riley B. King, caiu como uma luva para o homem que se tornaria um gigante do blues, romperia barreiras e participaria ativamente da revolução que levou o gênero, nascido na zona rural dos Estados Unidos, para o mundo todo.
O carisma de B.B. King, sua simplicidade e, sobretudo, sua generosidade são atestadas pelos músicos André Cristovam e Marcos Ottaviano, por Edgard Radesca (diretor da casa de shows Boubon Street, em São Paulo), mas, sobretudo, por ele próprio e pelo jornalista David Ritz, coautor da autobiografia de B.B. King, Uma Vida de Blues (Évora/Generale, 264 págs., R$ 54,90), que acaba de ganhar nova edição no Brasil – a obra, lançada originalmente em 1996, já havia sido editado por aqui em 99 com o título B.B. King - Corpo e Alma do Blues.
O livro é uma viagem pelo blues através do olhar de King. Como autobiografia, tem suas limitações, como reconhece Ritz, especialista em escrever “autobiografias dos outros” – entre elas a de Ray Charles, ainda inédita no Brasil. David Ritz acompanhou King às vésperas de seus 70 anos em uma turnê e conviveu com ele um bom tempo para colher o depoimento que está no livro.
“Ele (King) quer gostar de todos que gostem dele, mas se não gostarem, ele fica feliz do mesmo jeito – e até mesmo mais feliz se isso evitar hostilidades. A civilidade é a pedra angular da personalidade de B.B. King”, descreve Ritz.
Narrado em primeira-pessoa, ou seja, na voz de B.B. King, o livro parte da infância pobre nos campos de algodão até chegar ao começo dos anos 90, quando o músico já era uma super-astro. Filho único, perdeu a mãe antes dos 10 anos de idade e dali começou a se virar sozinho. Morou com o pai, a madrasta e os meio-irmãos por um tempo até chegar a Memphis, onde começou efetivamente sua carreira artística.
A infância de “B.”, como é chamado na intimidade, tem a narrativa fluente de um romance. Explica como surgiu a paixão pela música – através um pastor que utilizava uma guitarra em suas pregações e de uns discos de Lonnie Johnson e Blind Lemon que ouvia na vitrola de sua tia, ainda nos anos 1930 – e também pelas garotas, algo que acompanharia B. até os dias de hoje.
O músico casou apenas duas vezes – com Martha Lee (1946-1952) e Sue Carol (1958-1966) -, mas não teve filhos com nenhuma delas. Em compensação, teve outros 15, com 15 mulheres diferentes - o Wikipedia diz que ele chegou a ter outros depois de lançado o livro e que por volta de 2004 já contava com 50 netos.
B.B. King diz que é casado mesmo com o trabalho e com a estrada. Na autobiografia, ele revela que até o final dos anos 1980, costumava fazer 340 shows por ano. Já nos anos 1990, cortou para 250 e até mesmo hoje, aos 88 anos de idade, segue com agenda lotada de shows pelos Estados Unidos, como mostra seu site oficial.
“Amigos já me perguntaram se eu era viciado em trabalho, jogo e sexo. Com certeza jogo e sexo complicaram minha vida e me fizeram passar por mudanças. Admito. Eu gostava de jogo e de sexo, mas ambos são prazeres que eu sentia que podia controlar. O trabalho é uma questão diferente. O trabalho me controla. Este padrão pode remontar até o tempo da plantação, da colheita de algodão e de quando dirigia o trator. Pode remontar ao desejo de me virar, de me superar e obter algo melhor. Pode ser que esteja no sangue”, contou.
Apesar de King pular capítulos importantes de sua história (com a viagem que fez à África para o festival que reuniu ele, James Brown e tantos outros em 1974), revela como foi influenciado pela musicalidade de Aaron “T-Bone” Walker e pelo jazz.
Também como sobreviveu ao advento do rock ‘n’ roll nos anos 50, à música soul nos anos 60, como foi execrado pela crítica, que dizia que King maculava o blues autêntico, e como teve sua moral elevada graças ao livro Urban Blues, de Charles Keil.
A narrativa é forte na dor que o racismo provocou nele e na luta que empregou contra o preconceito nos Estados Unidos dos anos 1940, 1950 e até 1960. Narra, em tom solene, o que teve que suportar pela segregação e de como acompanhou a luta de Martin Luther King pela igualdade racial – e até contribuiu financeiramente para sua campanha. Também esmiúça a paixão do músico pela aviação.
A obra narra as centenas de encontros que ele teve ao longo dos anos com figuras como Elvis Presley, Miles Davis (de quem ficou amigo até a morte dele), Eric Clapton, Stevie Ray Vaugh, Ray Charles, o grupo U2 (que daria uma catapultada na carreira dele com o dueto ‘When love comes to town’), o cantor Frank Sinatra, seu grande ídolo, sem falar em presidentes, chefes de Estado e até a rainha da Inglaterra.
Como não poderia deixar de ser, também conta como batizou suas guitarras de Lucille – enquanto animava um show durante o inverno de 1949, dois homens começam a brigar na plateia.
Essa briga acabou em um grande incêndio no salão que faz todo mundo correr para fora do lugar, incluindo B.B. King.
Quando ele percebeu que estava sem sua guitarra – a única na época – voltou para o prédio em chamas para resgatá-la.
Escapou por pouco. Mais tarde, ficou sabendo que a briga começou por conta de uma garota chamada Lucille.
“Eu nunca a conheci, mas descobri que trabalhava no clube”, lembra o músico. “Foi uma noite memorável e um nome memorável, então decidi, bem ali, que batizaria meu instrumento de Lucille, mesmo que fosse só para me lembrar de nunca mais fazer algo tão imbecil novamente”.
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