CULTURA
O velho Gonzaga: homenagem ao escritor que melhor traduziu a cidade de João Pessoa
Crônica de Phelipe Caldas faz uma dupla homenagem ao aniversário da capital paraibana e ao autor que melhor traduziu a cidade.
Publicado em 05/08/2023 às 11:56
O velho Gonzaga caminha lentamente pelos espaços urbanos da capital paraibana.
São 90 anos de jornada. Histórias, lutas, paixões, conexões por uma João Pessoa mais central que insiste em resistir às modernidades. E com tanto tempo de estrada, ele já não parece mais se importar com pequenas vaidades.
Quando perguntado por que virou cronista, não titubeia. Subverte as expectativas e responde honestamente, aos risos: “Porque eu era um vagabundo, ora”.
Vagabundo, registre-se, em seu sentido original, vindo do latim, que fala da pessoa propensa a vaguear o mundo, a vadiar o olhar sem pressa e sem rumo em busca dos detalhes, dos microrretalhos de urbe que formam uma cidade apaixonante.
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Pois foi justo nessa percepção consciente sobre si, que Gonzaga Rodrigues se transformou num dos maiores cronistas de seu tempo. No mais consagrado tradutor de João Pessoa e de seu povo.
É carregando o peso e a responsabilidade de cinco mil crônicas escritas sobre a cidade, portanto, que ele nos embala numa cadenciada viagem por toda a diversidade pessoense.
Uma viagem, logo, que não se resume às belas praias que a capital paraibana possui, que inclusive só se tornaram populares e habitáveis a partir da segunda metade do século 20, com a abertura da avenida Epitácio Pessoa e com a apressada diáspora do centro ao litoral que se deu a partir daí.
Gonzaga, ao contrário, opta por um caminhar mais tranquilo, sereno, observador, plural. Infinitamente mais democrático. Absolutamente mais atento aos vultos populares de nossa terra.
Que percorre os mercados públicos, privilegia os sons, os aromas, as balbúrdias que reverberam em becos apinhados de gente.
Valoriza igualmente o centro. A Lagoa do Parque Solon de Lucena, por exemplo, fundada ainda na década de 1930 para se tornar um dos mais belos projetos de parques urbanos do país.
O Pavilhão do Chá, a cidade baixa, a Rua da Areia, os bares que funcionavam como tribunas para poetas e andarilhos, o Centro Histórico, as três avenidas centrais que testemunharam a própria fundação da cidade, ainda nos tempos de colônia.
O estilo barroco dos templos religiosos. A catedral de Nossa Senhora das Neves, o mosteiro de São Bento, as igrejas do Carmo e de São Francisco, a da Misericórdia, a mais antiga que ainda permanece em pé.
Mas nenhuma caminhada de Gonzaga pode acontecer sem a convergência cotidiana que levava todos os pessoenses ao Ponto de Cem Réis, à caixa de ressonância da cidade, ao mais democrático dos territórios, àquele que mais aproximava ricos e pobres e faziam todos comporem uma mesma roda de debates.
Pensando bem, Gonzaga Rodrigues não é apenas o melhor tradutor de João Pessoa e de seu povo. Mais do que isso, seus textos e livros são os guardiões de uma cidade do passado que talvez não viva para sempre. Mas que permanecerá na posteridade graças à sensibilidade de seu cronista maior.
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