CULTURA
'Democracia em vertigem' é autopsia do golpe e sobra pancada até para o PT
Jamarrí Nogueira avalia documentário que aborda do impeachment de Dilma a eleição de Bolsonaro.
Publicado em 23/06/2019 às 9:09 | Atualizado em 30/08/2021 às 19:54
Antes de qualquer coisa, senhoras e senhores, é necessário que tenhamos a compreensão de que qualquer publicação sobre os recentes acontecimentos políticos no Brasil é uma obra aberta... Uma novela que, talvez, jamais tenha um fim real. Documentário badaladíssimo, ‘Democracia em vertigem’ busca avaliar esses acontecimentos em um período entre a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva e a vitória eleitoral de Jair Messias Bolsonaro. Um filme da jovem mineira Petra Costa que costura - poeticamente e com bastante informação e divagação - fatos, sonhos, decepções e medos em torno da operação Lava Jato e mesmo do risco de quebra da tão recente democracia brasileira. ‘Democracia em vertigem’ teve estreia internacional quarta-feira passada, através da plataforma Netflix.
O documentário termina com duas frases na tela: “O juiz Sergio Moro é nomeado ministro da Justiça de Bolsonaro” e “Lula permanece preso”, inseridas em janeiro deste ano (quando o filme foi exibido no Festival de Sundance). Ficaram fora, por uma questão de tempo, vazamentos de supostas conversas de Moro com procuradores da Operação Lava-Jato, publicadas pelo site The Intercept. Petra tem três longas-metragens no currículo (‘Elena’ e ‘Olmo e a gaivota’) e reconhecimento em festivais internacionais.
Seu documentário se passa entre 2013, época das manifestações populares que tomaram o país, e a primeira semana de 2019, na posse de Jair Bolsonaro. Petra se coloca na trama a partir de narrações. Sua visão evidencia a percepção de que houve um golpe orquestrado pela direita e pelo centrão para tirar Dilma do poder e para impedir que Lula fosse candidato novamente à Presidência da República. É um filme emocionante. Tocante. Faz chorar aqueles que têm motivo de pranto...
Petra evidencia (e expõe) que seus próprios familiares são dissidentes de sua forma de pensar (tendo apoiado o golpe militar de 1964 e também a candidatura de Bolsonaro). Expõe mais: seu avô foi um dos fundadores da construtora Andrade Gutierrez, uma das empresas envolvidas nos crimes revelados pela Lava-Jato. ‘Ovelhas negras’, os pais de Petra foram militantes de esquerda nos anos 1970 e viveram na clandestinidade. Ela própria foi batizada em homenagem ao líder comunista Pedro Pomar, assassinado em 1976 em São Paulo, por agentes da ditadura militar.
Petra teve acesso a muito do que aconteceu no ‘olho do furacão’. Entrevistou Dilma algumas vezes. Também Lula. Numa sequência, a diretora leva sua mãe para conversar com Dilma — ambas mineiras. Petra ainda teve acesso a imagens feitas por Ricardo Stuckert, fotógrafo oficial de Lula. O documentário não deixa de fazer críticas às alianças urdidas pelo PT para chegar ao poder e para buscar a governabilidade junto ao Congresso. Há elogios, mas não falta pancada na esquerda. O filme é uma grande avaliação histórica. Uma autopsia!!! O filme de Petra é historicamente importante e esteticamente pulsante e poético. Já há quem acredite que ele poderá disputar o Oscar de 2020...
Petra também entrevistou Olavo de Carvalho, Gilmar Mendes, Janaína Paschoal e até Sergio Moro, mas não usou esses depoimentos, deixando todos eles apenas para os créditos de agradecimento. Uma pena. Enriqueceria bastante o documentário ter mais vozes dissonantes deste ‘Brasil dividido’ que põe a democracia em segundo lugar... O confronto de posicionamentos daria mais força ao filme (que é documento imprescindível para quem deseja fazer uma avaliação equilibrada a respeito do golpe/impeachment). No fim das contas, ‘Democracia em vertigem’ é um excelente filme (em formato muito atraente e sobre uma realidade que nos atinge a todos). Acredite: você tem obrigação de ver!
* Jamarrí Nogueira escreve sobre arte, cultura e comportamento no Jornal da Paraíba aos domingos
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