CULTURA
Documentário traz biografia de Marlon Brando narrada pelo próprio ator
Filme procura desvendar o homem por trás do mito em uma abordagem inédita.
Publicado em 05/01/2016 às 8:20
Vida e obra de Marlon Brando (1924-2004) já foram esmiuçadas dezenas de vezes através de livros e estudos. Tido como o maior astro do cinema americano, o ator agora é dissecado em uma autoanálise inédita, registrada em A Verdade Sobre Marlon Brando (Universal, R$ 29,90), que acaba de sair em DVD no Brasil, sem ter passado pelos cinemas.
O título bem que poderia ser A Verdade segundo Marlon Brando (o título original é Listen to Me Marlon, algo como “Ouça-me, Marlon”), afinal trata-se de uma biografia narrada pelo próprio ator a partir de fitas que ele deixou e que foram “encontradas” recentemente.
Em vida, Brando construiu um longo diário em áudio sobre seu dia a dia. Recluso, gravava suas impressões sobre a arte de atuar (citava lições de Shakespeare com frequência), família, cinema e a vida, de modo geral, em verborrágicos fluxos de consciência. Há poesia, exercícios de meditação e alfinetadas em diretores, colegas atores e na indústria do cinema como um todo.
Coube ao documentarista Stevan Riley e ao coroteirista Peter Ettedgui organizarem o pensamento de Brando a partir de 300 horas de fitas, muitas delas completamente inéditas. Dessa forma, o filme consegue dar uma dimensão profunda ao homem por trás do mito que poucas obras sobre ele alcançaram.
O ponto de partida dessa jornada pela alma do astro foi encontrado quando os cineastas ouviram, do próprio ator, o desejo de fazer um documentário sobre ele mesmo. “Ele (Brando) é um homem perturbado, sozinho, cercado de memórias, em um estado de confusão e tristeza, isolamento e transtorno”, descreveu o eterno Don Corleone, falando na terceira pessoa.
A relação conflituosa com os pais (“Eu interpretava o filho amoroso e eles interpretavam os pais adorados. Havia muita hipocrisia”), a infância (“Quando criança, eu vendia garrafas e cortava gramados para ganhar dez centavos e ir ao cinema e, assim, eu escapava de tudo”) e a personalidade conflituosa (“Quando o que você é como criança é indesejável, não é bem-vindo, você procura uma identidade que seja aceitável”) são abordados com franqueza desconcertante.
Guiado pela voz de Brando, muitas vezes ilustrada pelo rosto digitalizado do ator (outra surpresa do filme), A Verdade Sobre Marlon Brando se vale de imagens raras, entrevistas, cenas de bastidores e sequências de alguns dos filmes mais famosos do ator, como Sindicato de Ladrões (1954), O Poderoso Chefão (1972) e Apocalipse Now (1979).
O filme passa longe da trivialidade sobre artistas, pontuadas por abordagens superficiais. Este não é um documentário para saber que filmes Brando fez, nem tão pouco as mulheres que o cobiçado jovem astro levou para cama - embora a faceta Don Juan esteja lá, como quando ele, descaradamente, passa uma cantada em uma bela repórter.
O longa-metragem procura resolver as contradições da vida de um dos maiores astros de Hollywood que, ironicamente, não lidava bem com a badalação do estrelato.
É um filme para iniciados em Marlon Brando, o enigmático artista que abandonou a carreira do auge da fama e procurou, no ativismo social, lutando pela igualdade racial junto a negros e índios, uma razão de ser.
No fim, a verdade é que depois de alcançar o Olimpo, brigar com a indústria, se exilar no Tahiti, retornar triunfal em O Poderoso Chefão, arrumar mais confusão no meio cinematográfico e encerrar seus dias entre tragédias pessoais, ao ver o filho acusado de matar o namorado da irmã, que acabou por se suicidar tempos depois, não foi fácil ser Marlon Brando.
Comentários