CULTURA
Dylan retorna com Tempest
'Tempest' é o 35º disco da carreira de Bob Dylan lançado nos EUA no dia 11 de setembro.
Publicado em 28/09/2012 às 6:00
Um disco novo de Bob Dylan nunca é só um disco. Em torno dele, gravitam a expectativa que o antecede e o frisson que o acompanha.
Com Tempest (Sony, R$ 27, em média), o 35º de sua carreira, lançado nos EUA no dia 11 de setembro, não seria diferente.
Começou pelas especulações de que, por ser quase homônimo daquela que é considerada a última peça de William Shakespeare ("A Tempestade"), seria a sua despedida. Ele negou.
Cinquenta anos desde o debute, os cabelos de Dylan não são os mesmos. A voz muito menos. Mas, se há algo intacto, é a sua relevância, que poderia muito bem ser alimentada pelo passado de quem mudou a história da música.
Mas Tempest, produzido por um compositor sob o codinome Jack Frost, usado desde o começo dos anos 1990, é a sequência de uma curva de talento e de fôlego que se renovaram a partir de Modern Times, de 2006.
É a posição firme de quem tem algo importante a dizer e precisa ser ouvido. A tal relevância se sustenta, portanto, de coisas vivas.
Musicalmente, o disco é como uma demonstração prática do que contou o escritor Nick Tosches em Criaturas Flamejantes (Conrad), a narrativa sobre os elementos rítmicos e os personagens que antecederam e fomentaram o surgimento do rock. Ou, como queira, o surgimento do próprio Dylan.
Desse rico período se ouve de tudo um pouco no álbum: folk, blues, rockabilly, country, além de floreios de ragtime e de gospel.
Elétrico, ele embala o ouvinte de "Duquesne Whistle", parceria com Robert Hunter, do Grateful Dead, passando por "Soon After Midnight" ("Eu não tenho medo da sua fúria") até "Narrow Way", com jogos de palavras e ritmo galopante.
Pense em Dylan fazendo os jogos com placas à beira da estrada no documentário No Direction Home. É puro domínio da língua.
Em "Narrow", Dylan avisa: "Estou armado ao máximo e lutando para valer / Você não vai sair sem cicatrizes". É um prenúncio. A partir daí até a última faixa, ele pega o ouvinte pelo colarinho, chamando a atenção para as referências que espalhou ao longo das letras.
Versos
Há, lá pelas tantas, a reprodução de versos de John Greenleaf (1807-1892), poeta abolicionista americano, em "Scarlet Town".
Um tributo tardio a John Lennon em "Roll On John" ("Eu li as manchetes, garoto"), em que ele cita trechos de composições como "A Day In The Life" e, no refrão, do poema "A Pantera", de Rainer Maria Rilke (1875-1926).
Na canção que dá título ao disco, em que narra em 45 versos o naufrágio do Titanic, que neste ano completou cem anos, faz menção aos personagens de Leonardo Di Caprio e Kate Winslet no filme de James Cameron, de 1997.
Passa-se sem fadiga dos 10 minutos (a música tem 14) sem perceber, de tão natural que é a imersão a que ele submete o ouvinte. O que não configura uma exceção. Oito das 10 músicas de "Tempest" têm mais de cinco minutos.
Em suma, uma sequência de arroubos típicos e saborosos em que ele funde cultura popular e erudição, dando prova de sua vasta formação.
Versátil
Versátil, Dylan usa a voz rouca e há muito esgarçada (mais um pouco e ele fará par a Tom Waits) para tornar ainda mais sombria a abordagem de certos temas.
É assim que narra uma conturbada relação de amor em "Tin Angel" e o massacre que se supõe em "Early Roman Kings".
Em seu conjunto, o disco Tempest é um retrato de tempos e acontecimentos sombrios, relidos pelo artista americano mais importante do século 20 com o desassombro que exibe desde a juventude, agora ainda afiado.
Em sua última peça, um enredo de amor, traição e medo, Shakespeare disse que somos feitos da mesma substância que os sonhos. Para Dylan, o sonho, mesmo que penda para o tenebroso, ainda não acabou. (Da Folhapress)
Comentários