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CULTURA

Egan ajusta foco em livro

Escrito meses antes dos atentados de 11 de setembro, segundo romance de Jennifer Egan 'Olhe Para Mim' é lançado no Brasil.

Publicado em 04/05/2014 às 6:00 | Atualizado em 29/01/2024 às 12:38

Há um abismo entre Olhe Para Mim (Intrínseca, 432 páginas, R$ 29,90, tradução de Adalgisa Campos da Silva), segundo romance de Jennifer Egan, só agora publicado no Brasil, e A Visita Cruel do Tempo (2010), obra que trouxe a autora em pessoa para lançá-la na Flip, em 2012.

Escrito meses antes dos atentados de 11 de setembro de 2001, quando o terrorismo ainda parecia uma chaga superficial na história dos EUA, o livro foi finalista do National Book Award e destacou-se pela referência narrativa que faz a um assunto que acabou transpondo os umbrais da ficção naquele ano.

Mais de uma década depois, a leitura de Olhe para Mim já não se situa tão bem neste contexto e parece dialogar melhor com a própria literatura de Egan, que depois de passar pela antessala do sucesso com O Torreão (2006), rendeu a obra-prima vencedora do Pulitzer, em 2011.

O 'modus operandi' de A Visita Cruel do Tempo já está desenhado em Olhe para Mim, ainda que de maneira muito tímida e rudimentar. Alternando narradores em primeira e terceira pessoa, a escritora começa a exercitar o jogo multifocal de olhares que vai consagrá-la mais tarde. A epígrafe que abre o romance é sintomática: um trecho do Ulysses (1921), de James Joyce (1822-1921), mestre em uma técnica cujo manejo Jennifer Egan domina com desenvoltura.

Na trama, uma modelo fotográfica sofre um acidente de carro que lhe desfigura o rosto, mudando completamente a sua aparência. É esta personagem quem começa narrando (leia um trecho do livro no box) e é nela que reside a verdadeira força-motriz da história. Nenhum dos outros núcleos da história é tão poderoso quanto o de Charlotte, que amarga o declínio de sua carreira como modelo na companhia de um solitário detetive particular que tenta vencer o alcoolismo. Nem o mal-resolvido núcleo do suposto terrorista que surge em um dos capítulos e passa a se relacionar com uma outra Charlotte, jovem que é filha de uma amiga de infância da modelo.

A estrutura do romance perde a força na medida em que estas camadas narrativas são sobrepostas e passam a atuar uma como anticlímax da outra. Em um adendo incluso ao final da edição, a própria Egan faz a mea-culpa, revelando que foi instada pelos seus editores a reescrever passagens relacionadas ao personagem que cruza os EUA mudando de endereço e de identidade, planejando um ataque.

A própria escritora admite que a ficção tem um elo íntimo com a época na qual foi escrita, e que certos aspectos talvez não se sustentem quando afastados dos episódios sombrios do 11 de setembro. Egan quiçá subestimasse o alcance de Olhe pra Mim ou vislumbrasse um projeto literário que se confirmaria com títulos mais amadurecidos em sua proposta de viajar no tempo e constatar a crueldade deste início de século.

LEIA UM TRECHO DO LIVRO:

Após o acidente, fiquei menos visível. Não falo no sentido óbvio de que fui a menos festas e me afastei dos olhares gerais. Ou não só isso. Quero dizer que, depois do acidente, fiquei mais difícil de ver.

Em minha lembrança, o acidente adquiriu uma beleza dura, deslumbrante: o sol branco, a volta lenta no ar como se eu estivesse naquela xícara do parque de diversões (meu brinquedo favorito), sentindo o corpo se mover mais depressa que o veículo que o continha e em sentido contrário. Então um clarão com uma explosão de estilhaços quando fui ejetada pelo para-brisa, ensanguentada e assustada, sem entender.

A verdade é que não me lembro de nada. O acidente aconteceu à noite durante um temporal de agosto, num trecho deserto de estrada que corta campos de milho e soja, a alguns quilômetros de Rockford, Illinois, minha cidade natal. Pisei no freio e meu rosto bateu no para-brisa, e eu apaguei na hora.

Dessa forma, fui poupada da aventura de ver meu carro saindo da estrada e entrando num milharal, capotando várias vezes, pegando fogo e por fim explodindo. Os air bags não funcionaram; eu poderia processar o fabricante, claro, mas, uma vez que eu estava sem o cinto de segurança, talvez tenha sido bom eles não terem funcionado, ou eu poderia ter sido decapitada e a emenda ficaria pior que o soneto. O vidro temperado de fato aguentou o impacto da minha cabeça, portanto, embora eu tenha quebrado todos os ossos do rosto, quase não tenho cicatrizes visíveis.

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Jornal da Paraíba

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