CULTURA
Entre a cruz e a espada
Em entrevista ao JORNAL DA PARAÍBA Chico César fala sobre como conciliar a carreira artística com a administração pública.
Publicado em 30/05/2012 às 6:30
Com um pé no palco e o outro no Casarão dos Azulejos, sede da Secretaria de Cultura do Estado da Paraíba, o músico Chico César procura equilibrar uma carreira de fama internacional com o emprego de uma política cultural voltada, como ele mesmo diz, na valorização do artista paraibano.
Há 3 anos no birô da administração pública, primeiro junto à Fundação Cultural de João Pessoa (Funjope), onde ficou de 11 de maio de 2009 até janeiro de 2011, quando se tornou o primeiro secretário de Cultura do Estado, Chico não desgruda da carreira musical.
“Eu tive sorte de algumas coisas que eu tinha feito antes de entrar na gestão ecoarem... Francisco Forró y Frevo (2008), depois que eu já estava na Funjope, recebeu três prêmios (no Prêmio na Música Brasileira). Isso foi um estímulo para mim”, comenta o músico, em entrevista ao JORNAL DA PARAÍBA.
Chico conversou com a reportagem numa tarde chuvosa, em seu gabinete, no Casarão dos Azulejos. Falou sobre a carreira de músico e a de gestor. Começou pelo novo Aos Vivos Agora, show que registrou tanto em DVD quanto em CD e LP e chega às lojas em junho. Nele, o cantor e compositor paraibano volta ao disco que, 16 anos atrás, lançou Chico César em uma carreira com repercussão internacional.
Aos Vivos foi gravado em 1994 na Funarte da Alameda Nothmann, em São Paulo, na base da voz-e-violão, com participações de um não tão conhecido Lenine e Lanny Gordin. O CD saiu em 1995, pelo selo Velas de Ivan Lins e Vitor Martins.
REVISITANDO ‘AOS VIVOS’
A convite da gravadora Biscoito Fino, Chico voltou no tempo para reviver as canções que se tornaram marco em sua carreira, como ‘Béradêro’, ‘Mama África’ e ‘À primeira vista’. O novo show, gravado no teatro Fecap em setembro de 2011, é fiel aos arranjos originais, embora não traga a participação de Lenine e Gordin (substituídos por Dani Black).
Nas palavras de César, Aos Vivos era um “disco improvável”. “Eu tive muita sorte de um disco despretensioso, feito sem dinheiro, ter um resultado muito bom, porque me mostrou de um jeito muito limpo. E essa limpeza mostrava um compositor potente, que dentro de uma tradição da música brasileira, trazia ideias estritamente musicais, melódicas, de levadas, e por outro lado tinha ideias ligadas ao universo da letra, da palavra puramente dita. Isso ficou muito forte na leitura que as pessoas fizeram de mim, não apenas os colegas, mas também o público”.
Mais de 15 anos depois, Chico César pondera que Aos Vivos reflete sua mudança da Paraíba para São Paulo, de uma escola junto à guerrilha do Jaguaribe Carne e a Universidade de Comunicação, para o circuito cult alternativo da capital paulista.
“Quando eu cheguei em São Paulo, minha presença era ruidosa...", comenta. "Falavam que (minha música) não cabia na música regional, porque era música urbana. Ai eu tentava tocar nos lugares em que se apresentavam Itamar Assumpção, os Mulheres Negras, Arrigo Barnabé, e o pessoal falava que minha música era muito regional. Então era uma musica que não cabia em lugar nenhum”, relembra. “Então eu tinha que criar esse lugar, para um tipo de musica brasileira com influências nordestinas. E acho que, de certa forma, ajudei a criá-la”.
ARTISTA ‘NAÏVE’?
Chico César também diz que, na época, teve dificuldades para desvencilhar seu trabalho da influência do Tropicalismo baiano, sobretudo Caetano Veloso e Gilberto Gil. “Era um formato que muita gente identificava como um formato baiano. Muita gente associava a Caetano e Gil, e eu me sinto filiado a essa corrente do Tropicalismo”, admite. “Mas eu tive uma certa dificuldade para dizer que nem tudo (ali) era influência dos baianos. E o próprio trabalho, com o tempo, acabou dizendo isso”.
Para Chico César, os anos se encarregaram de mostrar que Aos Vivos não era um disco de um artista “naïve” (ingênuo). “O tempo disse que (Aos Vivos) é um compositor que traz muito de onde ele vem, de uma forma não ingênua. Não é um artista naïve, é um artista que tem uma crítica de um lugar de onde ele vem e de onde ele está. Não é uma coisa de louvar, apenas”, reflete.
DISCOGRAFIA
Chico admite também que Aos Vivos é um dos seus discos favoritos, mas não é o único. “Eu gosto muito do Cuscuz-Clã (1996) e quero muito gravar o DVD que eu não fiz na época. Eu também gosto muito do disco com o Quinteto da Paraíba (De Uns Tempos Pra Cá, 2006). E o Francisco Forró y Frevo (2008).
Esses são os que eu considero essenciais, porque são discos que inauguram situações novas pra mim”.
O Cuscuz-Clã, diz ele, surgiu para mostrar que Chico “não vinha para impressionar as meninas da PUC”. Mostra que o paraibano ouviu música popular de parque, Odair Jose, Luiz Gonzaga e Novos Baianos. “(Mostra que) minha música veio para falar para bastante gente, e pode ser dançada”, acrescenta.
“O disco com o Quinteto”, continua Chico César, “é o que vem para dizer que o importante não é o showbusiness, a estrela na frente do palco, tocando no rodeio... é o espaço na música brasileira para o aconchego, elaborado e intimista. É um disco muito bem resolvido nesse sentido, com influência de Elomar, Hermeto Pascoal e Tom Jobim”.
Chico César sintetiza esses álbuns como sendo “discos de quebra”. “Eu não consigo ficar sentado em cima de algo que eu conquistei”, diz. “Eu gosto do movimento, então com Aos Vivos eu tinha conquistado uma coisa. Ai eu disse ‘eu quero outra coisa’ e veio o Cuscuz-Clã. E depois de Cuscuz-Clã, uma série de discos que eu considero mais ‘standards’, como Beleza Mano (1997) - meu disco mais esquizofrênico -, o Mama Mundi (1999), que é mais tranquilinho, e Respeitem Meus Cabelos Brancos (2002), que tem mais a coisa dos ritmos.
NOVAS COMPOSIÇÕES
Chico confidencia que, depois de um certo impacto com a chegada ao serviço público, conseguiu retomar suas composições. “Nos primeiros seis meses de Funjope, eu não compus absolutamente nada”, comenta. “Eu pensava: eu sou um ex-compositor. Mas ai, com o tempo, o motor do compositor começa a achar outros tempos, outras fontes...”
De lá para cá, Chico César já compôs duas músicas com Zélia Duncan (‘Esporte fino confortável’, gravada por ela, e uma ainda inédita) e diz que tem “espaço aberto” com Paulinho Moska, além de compor sozinho. “Eu já tenho músicas para mais de um disco”, revela.
Mas o estúdio vai esperar. Agora, a prioridade do músico Chico César são as gravações dos DVDs, como o do Cuscuz-Clã e do Francisco, Forró Y Frevo, que ele estava para começar quando foi convidado para a Funjope, em 2009.
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