CULTURA
Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios
Cheia de expectativas, a atriz Camila Pitanga fala em entrevista ao Jornal da Paraíba sobre a importância do filme para a sua carreira.
Publicado em 27/11/2011 às 6:30
"Este filme finalmente me põe na família", diz por telefone uma Camila Pitanga que admite o peso da "ancestralidade" do pai, o ator Antônio Pitanga.
Em pleno entusiasmo pela repercussão de Eu Receberia as Piores Notícias de Seus Lindos Lábios nos festivais de que participou, a atriz fala com a reportagem sobre a sua personagem Lavínia e pela relação que estabeleceu com o diretor Beto Brant e os atores Gustavo Machado, Zé Carlos Machado e Gero Camilo.
Por fim, revela o desejo que os dois meses filmando em Santarém (PA) provocou nela: que a emoção e a violência do drama que protagoniza também atinja o público com o seu 'desmantelamento'.
- Como se deu o convite para integrar o elenco do filme?
- Conheci o Brant no Festival de Brasília, depois de uma exibição de Crime Delicado (2005). Ele fez um discurso que me emocionou tanto que após a sessão tive que procurá-lo para dizer o quanto admirava seu trabalho, que eu acompanhava de longe. Sempre fui fascinada pela sua intensidade e pelo seu radicalismo. Pela forma como ele expõe o ator a situações críticas, algo que me interessava também como espectadora. O convite foi feito por telefone, só depois tivemos o primeiro contato que despertou uma relação de extrema confiança. Esta relação foi se solidificando ao longo do processo de investigação do filme, que foi coletivo e fortaleceu a nossa cumplicidade. O Brant é um diretor que não só tem um olhar muito profissional do ator como também um olhar humano muito poderoso. O filme foi uma verdadeira experiência de entrega.
- O elenco tomou conhecimento do enredo através do livro ou do roteiro?
- Conheci a história primeiro pelo livro, só depois veio o roteiro. Li o romance logo após aquela conversa por telefone com o Brant.
- O livro é narrado pelo personagem Cauby. Como você fez para não se deixar cair nas 'armadilhas' do narrador e compor uma Lavínia menos parcial?
- De fato, eu acho que o Cauby tem muitas dúvidas a respeito da Lavínia. A estrutura do romance é toda montada a partir de pistas deste narrador, de tudo aquilo que ele já viveu. E ele tem um olhar muito pesado, de ceticismo, ironia e desconfiança. Mas eu acho que é aí que reside a inteligência da transposição do Brant e do Ciasca para a tela: eles mostram antes um Cauby mais suave, que não passou por aquela odisseia de martírio. Porque a voz do Cauby, no livro, é de alguém que já tinha vivido a experiência trágica. Quanto à Lavínia, percebi nas entrelinhas que ela sofria de muitas alterações de humor. Que ela era fugaz e estranha. O cinema tem outro tempo, e era impossível que tudo que acontecesse no livro acontecesse também no filme. Então eu tomei meu partido. Se a Lavínia me parecia louca, lá ia eu estudar a loucura. Mas cada golpe que eu levava me convencia a não ficar presa na psicologia da personagem, porque ela não apresenta uma psicologia linear. O ofício do ator requer a técnica, o ABC da coisa, mas a percepção também conta. Por isso costumo dizer que tive muita sorte em estar na companhia das pessoas certas neste filme.
- Pensando nisso, quais foram os resultados obtidos a partir do encontro de atores como você e o Zé Carlos Machado, com forte pegada televisiva, e Gustavo Machado e Gero Camilo, de bagagem mais teatral?
- Este foi o verdadeiro 'pulo do gato' do filme. Fizemos uma troca muito profunda, cada um colaborando e transmitindo para o outro a sua experiência e o seu repertório. Neste sentido nosso processo de criação foi muito teatral, com exercícios de contato e improvisação, de intimidade, de toque. Enfrentamos vários ensaios, pesquisas, nos aventuramos por outras artes. O Gero, quando chegou a Santarém (PA) começou a escrever literatura, a fazer videoarte. O Zé Carlos também se revelou um prodígio na composição do pastor evangélico, mergulhando neste universo do cristianismo. Ninguém era mais do que ninguém ali.
- Você mencionou um Gustavo Machado interpretando um personagem 'suave'. Isso não contrasta com o estilo dele, sempre às voltas com papéis mais violentos, sobretudo no teatro?
- Aposto que quem acompanha a carreira do Gustavo vai se surpreender com a versão que ele deu para o Cauby. Ele construiu um personagem com um certo frescor, uma ternura e uma delicadeza que vão se embrutecendo no decorrer da trama. Mas todos nós nos surpreendemos com o rumo que os personagens foram tomando. A própria Lavínia, por exemplo: eu tinha uma expectativa muito mais sombria dela. Só depois pude vê-la como uma perdida e pude recuperar este ponto de vista. Voltando ao ponto de vista que o Gustavo escolheu para o personagem dele, o Cauby revelou-se um sujeito meio hippie, poeta, divertido, que vai se apaixonando e se degradando por aquela mulher.
- Renato Ciasca e Beto Brant são conhecidos, nos bastidores das produções, pelo rigor a que submetem os atores a fim de estabelecer uma conexão entre eles e o ambiente da cena. Como vocês conseguiram esta conexão com o Pará, que abrigou as locações do filme?
- Moramos em Santarém por alguns meses. O Gustavo chegou antes de mim, e ficou três meses lá. Eu fiquei pouco mais de dois meses. A temporada foi bastante positiva para nós, porque só vivendo lá é que se pode falar com propriedade da cultura daquela terra, que é praticamente um outro país dentro do nosso país. O Norte tem uma cultura musical e gastronômica muito ricas. É uma cultura pujante, autossuficiente. Eles têm uma personalidade peculiar, uma maneira de viver muito própria. E é óbvio que o filme tem este triângulo amoroso como primeiro plano, esta poeticidade do Brant. Mas também reflete sobre questões da região, como a situação dos indígenas, que direitos eles têm, o que certamente também é uma preocupação do Brant como diretor.
- Conforme foi dito, você tem uma pegada televisiva muito forte, mas sua carreira em filmes até antecede a das novelas, e acaba de ser consagrada com o prêmio de melhor atriz no Festival do Rio. É uma coroação de sua trajetória?
- Sem dúvida. Este filme é um divisor de águas na minha carreira. Nunca vi com maus olhos minhas passagens pela televisão, sobretudo pela possibilidade de diálogo que elas me abriram com o público. Tenho o maior orgulho e felicidade, quanto a isso. Mas é indiscutível que tenho uma ancestralidade no cinema. Meu sobrenome forjou sua identidade no cinema. Este filme finalmente me põe na família. Me torna digna de pactuar com meu pai, com a sua experiência desde o Cinema Novo. Desejo fortemente que no filme eu também me comunique com o público, tanto quanto me comunico nas novelas. Que ele faça as pessoas pensarem criticamente, porque o cinema brasileiro sempre teve esta veia e há grandes diretores hoje fazendo a diferença. Queria que o público se emocionasse como me emocionei com a sua violência, o seu 'desmantelamento'.
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