CULTURA
Fábula animália noturna
Joca Reiners Terron conversa sobre solidão, insônia e o gótico presente no seu novo livro, 'A Tristeza Extraordinária do Leopardo-das-Neves'.
Publicado em 28/04/2013 às 6:00 | Atualizado em 13/04/2023 às 14:59
“O homem é antes de tudo um animal se movendo num planeta que brilha ao sol”, lembra as palavras do antropólogo cultural Ernest Becker (1924-1974) o escritor mato-grossense Joca Reiners Terron sobre sua mais nova obra, A Tristeza Extraordinária do Leopardo-das-Neves (Cia. das Letras, 176 páginas, R$ 36,00).
“É uma história sobre o limiar entre o dia e a noite, entre o humano e o inumano, o pertencimento e o não pertencimento. Os personagens do livro, incluindo os animais, estão no limite entre algum lugar e lugar algum”.
Dentre os personagens que se esgueiram na noite, um escrivão insone do 77º Distrito Policial preocupado com a saúde do pai comerciante, cujo quadro de demência o obriga a dopá-lo para o velho não cometer suicídio; uma enfermeira especializada em pacientes terminais que aceita ficar anos enclausurada em um velho casarão com a ‘criatura’, uma isolada e calada criança de hábitos noturnos que usa galochas e capuz vermelho; um entregador coreano que se alimenta de uma paixão platônica; e um taxista leitor de encarte de discos eruditos e criador de rotteweilers.
“Todos os personagens têm hábitos noturnos, isso pertence ao universo retratado no livro”, analisa Terron. “Também existe algo de gótico nele: uma mulher presa a uma casa — essa é a regra básica de toda história gótica. Pense em todos os filmes de terror que você já viu e sempre haverá uma mulher presa em uma casa”.
Uma das convergências da trama gira em torno de um passeio noturno patrocinado pelo zoológico, o Nocturama, onde os participantes poderão vivenciar os hábitos de animais noturnos, incluindo o isolado leopardo-das-neves, cuja origem nas montanhas do Altai é narrada em tom fabuloso, assim como a alusão de certa garotinha de capuz rubro.
“Há algumas coisas que só existem em meu livro, apesar da tessitura realista”, observa o escritor. “Nesse livro promovi um encontro entre a tradição do gótico e as fábulas românticas alemãs, aquelas que sempre conduzem crianças perdidas para a floresta negra”.
O clima de suspense é edificado em casarões mal-assombrados adornados por visões de quadros que acumulam a poeira das gerações, o olfato noir de uma chefatura de polícia e os sons do reino animal, seja nas pradarias onde fora pisoteada por extintos bisontes, nos picos nevados do Tibete (ou da Rússia), ou no passeio na tal floresta negra. Complementado por telefonemas misteriosos e ‘monstros’ de todos os tipos.
NEM DAQUI NEM DE LÁ
“Creio que (a obra) surgiu mais de um clima, de uma ideia de lugar, pois parte importante do livro se passa no Bom Retiro, bairro tradicional de São Paulo que recebeu grandes ondas migratórias de judeus, coreanos e latino-americanos, e no qual passei meses para desenvolver a dramaturgia da peça do Teatro da Vertigem chamada Bom Retiro 958 Metros”, relembra.
Em A Tristeza Extraordinária do Leopardo-das-Neves, a encruzilhada de tradições que representa a ‘Terra da Garoa’ coloca a metrópole no patamar de mais um personagem na prosa, recheada com a serragem da solidão e da incomunicabilidade, temas constantes na obra de Joca Reiners Terron.
“São Paulo é por excelência um lugar privilegiado para os solitários. Aqui você está sozinho no meio da multidão. Mas eu já me sentia perdido antes de vir para cá, tem a ver com minha vida pessoal. Morei em muitos lugares e por pouco tempo”, confessa.
“Além disso, venho de uma família de imigrantes — alemães, espanhóis, italianos — bastante desgarrada de suas origens. Não sou daqui nem sou de lá, me perdi no meio do caminho, assim como meus personagens”.
Mesmo constando a qualidade de insone na sua biografia, Terron prefere o dia para jogar luz nas suas ideias. “Escrevo melhor de manhã, porém sempre trabalho sob pressão, então sou obrigado a trabalhar de noite. E às vezes tenho crises de insônia ligadas ao estresse”.
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