Garotas luxuosas

Em 2012, os The Rolling Stones pensam em comemorar 50 anos de carreira com uma superturnê. Fala-se, até, em recrutar os ex-integrandes do grupo para o palco.

Mas as comemorações pelo Jubileu de Ouro do grupo já começaram com a chegada às lojas da edição de luxo de Some Girls. Lançado originalmente em 1978, o álbum se tornaria o disco mais bem sucedido da banda, com quase sete milhões de cópias vendidas e seis discos de platina só nos Estados Unidos.

Some Girls tem muita história para contar. A principal delas é que marca a estreia do guitarrista Ronnie Wood como membro oficial da banda. Ex-The Birds, ex-guitarrista do Jeff Beck Group e ex-parceiro de Rod Stewart no The Faces, Wood se tornou um amigo muito próximo de Keith Richards antes de entrar para clube.

“Como éramos os dois naturais de Londres, Ronnie e eu já tínhamos uma proximidade natural, uma espécie de código, e podíamos ficar calmos juntos sob tensão, como membros de uma mesma equipe”, comenta Keith Richards em sua autobiogria, Vida (Globo Editora).

Richards também diz que a entrada Ronnie Wood manteve os integrantes unidos. "Foi como um sopro de ar fresco. Sabíamos que ele era competente, que sabia tocar, mas um fator que pesou muito na decisão (de colocá-lo nos Stones) foi seu entusiasmo incrível e sua capacidade de se dar bem com todo mundo”.

Os Rolling Stones já tinham no currículo obras-primas como Sticky Fingers e Exile on Main St., e discos badalados como Let it Bleed e It's Only Rock 'n' Roll quando começaram a criar o 16º disco de estúdio da banda, nas dependências do Pathé Marconi, em Paris.

Tinham também seus problemas, e o maior deles era o julgamento de Richards por tráfico de drogas, que assombrava não só o parto do álbum, com a existência da própria banda (dizem por aí que especulou-se escalar Jimmy Page, do Led Zeppelin, para o posto, caso o guitarrista pegasse prisão perpétua).

Ainda em sua autobiografia, Richards fala que conceber Some Girls foi uma espécie de rejuvenescimento em um momento sombrio. “Mas, talvez isso fosse parte da magia. ‘Vamos gravar alguma coisa antes que o pior aconteça’”, reflete.

O guitarrista também atribui à química do álbum ao isolamento dos Stones. “Outra grande diferença em relação aos álbuns mais recentes é que não tínhamos nenhum músico fora da banda – nenhum metal, nenhum Billy Preston”, declara no livro, citando o talentoso tecladista, recorrente em discos anteriores.

Durante meses, Richards e Wood, mais o vocalista Mick Jagger, o baterista Charlie Watts e o baixista Bill Wyman (que ficaria na banda até 1991) se trancafiaram no estúdio com o engenheiro de som Chris Kimsey para conceber o repertório do disco. Conta-se que esta foi a fase mais produtiva da banda, tanto que muitas das canções dessas sessões, como ‘Hang Fire’ e ‘Black Limousine’, foram aproveitadas em discos posteriores, coom Tatoo You.

Para Richards, o fato de haver músicos extras nesses momentos de concepção só fez os Stones tomarem outro rumo nos anos 1970, “chegando, em alguns momentos, a nos afastar de nossos melhores instintos”, descreve, para explicar: “Éramos só nós no estúdio, e como esse era o nosso primeiro álbum com Ronnie Wood, o destaque eram nossas guitarras gemendo em faixas como ‘Beast of burden”.

Keith também contou que todo dia ia de carro até o estúdio ao som de Running on Empty (1977), do cantor Jackson Browne.

“Um dos segredos de Some Girls era a caixinha verde que eu estava usando, o MXR – um pedal de eco delay e reverb. Usei esse pedal na maioria das músicas, e isso deu um novo pique à banda, gerando um som diferente. De certo modo, nosso ingrediente secreto foi apenas um pouco de tecnologia. Foi como em ‘Satisfaction’, uma simples caixinha”, revela o guitarrista no livro.

O resultado é um álbum que foi descrito pela revista Rolling Stone como “o disco mais engraçado, bagaceiro e cafajeste” dos Stones. Ou, como disse recentemente o próprio Ronnie Wood ao jornal Folha de SP, “o disco se chama Some Girls, mas poderia ser 'Sexo, Sexo, Sexo', o que significa que queríamos muitas mulheres"”.

É nesse contexto que se sucedem hits como ‘Miss you’, um flerte dos Stones com a disco music da virada dos anos 1970 para os 1980, ‘Lies’ e sua pegada punk-rock, que também inspira ‘Shattered’, e o cover de ‘Just my imagination’, famosa com os Temptations. A faixa-título, por sua vez, gerou um burburinho entre as feministas por conta do teor de sua letra.