CULTURA
Gente de Baque Solto
Há 30 anos era lançado, em disco, o marco inicial da carreira de Lenine e Lula Queiroga.
Publicado em 28/07/2013 às 10:00 | Atualizado em 14/04/2023 às 14:40
Lenine desembarca novamente na Paraíba esta semana. Traz na bagagem 30 anos de carreira e o show 'Chão', que apresenta terça-feira que vem no Teatro Severino Cabral, dentro da programação do Festival de Inverno de Campina Grande. Em agosto, ele volta para encerrar o Caminhos do Frio em Alagoa Grande, dessa vez revisitando todos os seus sucessos.
O ponto de partida dessa carreira – que ele celebra “de 30 maneiras diferentes” ao longo de 2013 – é o disco Baque Solto, lançado em parceria com o conterrâneo Lula Queiroga em 1983, com a fundamental colaboração de um “dream team” de artistas paraibanos, como o escritor Braulio Tavares, o artista gráfico Romero Cavalcanti e os músicos Ivan Santos, Tadeu Mathias, Alex Madureira, Fuba e Pedro Osmar.
“Já fomos uma só capitania hereditária”, comenta Lenine, por telefone, referindo-se à capitania de Pero Lopes de Sousa, que compreendia Pernambuco e Paraíba. “É uma cultura que tem a mesma alma. Eu acho, até, que se a gente for ver com o olhar mais amplo, essa alma se estende desde o Maranhão até o (rio) São Francisco. Tem uma alma ali que eu reconheço e me reconheço nela”.
Baque Solto, confirma o pernambucano, é um marco na carreira tanto dele, quanto na de Lula. “É a primeira vez que aparece meu nome num produto, dentro de uma produção estética e artística. Isso marca alguma coisa”, afirma.
A história do disco começa na Casa 9, no Rio de Janeiro. O prédio de apartamentos conjugados no bairro de Botafogo, por onde um dia passaram de Jards Macalé a Sônia Braga, foi tema de um documentário do cineasta Luiz Carlos Lacerda, o “Bigode”, ex-proprietário da casa que Lenine dividia com os paraibanos Ivan Santos e Alex Madureira (mais tarde, o jornalista carioca Júlio Ludemir se juntaria ao trio).
“(A casa) era pouso de muita gente. Pedro (Osmar), mesmo, ficou lá em casa algumas vezes”, comenta Lenine sobre o parceiro do maracatu instrumental ‘Auto dos congos’, uma das duas composições do co-fundador do Jaguaribe Carne presente no disco (a outra é ‘Mote do navio’). “Lá era uma verdadeira embaixada Pernambuco-Paraíba. Todo mundo passava uma temporada lá”, confirma Madureira.
O escritor, compositor e poeta Braulio Tavares é outro que se valeu da hospedagem da Casa 9 sob a administração de Lenine e cia. Ele conhecera Lenine ainda no Recife, antes da mudança, através de Zé Rocha, cantor e compositor pernambucano, habitué da embaixada nordestina no Rio.
Ao contrário de Zé Rocha, que tem três músicas no repertório de 12 faixas de Baque Solto, Braulio não teve nenhuma musica incluída no disco, mas se fez presente através do poema ‘Mapa do Tesouro’, impresso no encarte do LP (e reproduzido na edição em CD, reeditado mais tarde pelo selo MP,B, via Warner Music). “Esse poema foi canibalizado por Lenine para fazer ‘Tuareg e nagô’, bem uns dez anos depois”, comenta Braulio.
Lenine e Lula Queiroga já eram conhecidos no Rio. Tocavam suas carreiras, cada qual com sua banda, quando resolveram se apresentar juntos, no palco – é dessa época o show ‘Trem Fantasma’, elogiado pela rigorosa crítica de teatro Barbara Heliodora.
Esses shows serviram como "esquenta" para o grande encontro que foi Baque Solto e na hora de entrar no estúdio, todo mundo foi gravar. “É por isso que a banda de Baque Solto é enorme”, ri Alex Madureira.
Alex tocava com Lenine, mas durante as gravações estava excursionando com o baiano Xangai pelo Brasil e teve pouco tempo para contribuir com o disco. Acabou gravando uma viola em ‘Raoni’ e um violão Ovation de 12 cordas em ‘Essa alegria’.
“Essa alegria” traz outro paraibano: Tadeu Mathias, que divide os vocais da música de Lula Queiroga com o autor e Lenine. Ela foi uma das primeiras músicas de sucesso de Elba Ramalho, que a gravou no ano anterior, a Baque Solto, no LP Alegria (1982).
CORAL
Um dos destaques do disco é o coral Gente de Baque Solto, regido por Lenine e formado por mais de 50 vozes, entre elas as de Ivan, Alex, Fuba, Braulio e até Romero Cavalcanti.
Morando no Rio desde os 14 anos, Romero se enturmou com a moçada da Casa 9 de então, e passou a fazer os cartazes dos shows de Lenine e Lula. Como não poderia ser diferente, a capa de Baque Solto foi concebida por ele (o encarte ainda trazia fotos de outro paraibano, Gustavo Moura).
“O lindo disso tudo é que todo o pessoal que estava em volta – artistas, os amigos, conhecidos… – foi incluído de alguma forma na confecção do LP”, comenta Ivan Santos, por e-mail. “Quem compunha compôs, quem fotografava fotografou, quem desenhava desenhou e na canção ‘Mote do navio’, Lenine regeu um grande coro integrado por dezenas de pessoas próximas. Isso acabou dando ao LP um caráter documental, uma espécie de testemunha do que se passava naquela turma e naquela época”.
CELEBRAÇÃO
Lenine, Lula Queiroga e toda a turma paraibana estarão juntos no dia 14 de setembro, quando a dupla irá apresentar o repertório do disco no palco do Baile Perfumado, no Recife.
Lenine diz que não ouve mais o disco – e que anda sem tempo para ouvir qualquer outro. “Vou executar (as músicas) estimulado pela ‘comemória’ e pela reunião de pessoas, de amigos”, fala Lenine, brincando com as palavras “comemoração” e “memória”.
“Não é só o repertório que compõe o CD Baque Solto. É mais que isso: são as musicas que permeavam nossas vidas naquele momento, e os respectivos autores dessas músicas”, prossegue o músico.
Segundo Lenine, se todos os deuses conspirarem a favor – e ele diz que eles têm conspirado para isso – o show vai conseguir reunir toda a turma, incluindo quem mora na Alemanha (Ivan Santos), Rio (Braulio, Tadeu Mathias) e João Pessoa (Alex, Fuba, Pedro Osmar), além de Zé Rocha e dos pernambucanos da Casa 9.
'DIAS DE BLUMER' SE LIGA A 'BAQUE SOLTO'
No coro Gente de Baque Solto havia uma dentista carioca que, décadas depois, provocaria no marido, o arquiteto e músico carioca Edu A., a vontade de recriar o espírito de comunhão que Pernambuco e Paraíba compartilharam em Baque Solto.
Mulher de Alex Madureira na época, Mônica Blumer conseguiu reunir (quase) toda a “gente de Baque Solto” no projeto musical do marido, o Filhos de Platão.
O CD independente Dias de Blumer traz dez faixas assinadas por Edu A. e parceiros como Julio Ludemir (‘Mulher imperfeita’), Ivan Santos (‘Imenso’, que também canta na faixa), Pedro Osmar (‘Toada do mar’) e até Madureira, com quem compôs o xote ‘Corno é isso mesmo’.
Além do mais, o disco conta com os vocais de Lenine (‘Toada do mar’) e Tadeu Mathias (‘Junto com você’) e projeto gráfico assinado pelo mesmo Romero Cavalcanti, além de fotos de Gustavo Moura. Edu conseguiu arregimentar, ainda, uma tonelada de outros colaboradores. "70% é do Nordeste", afirma.
Musicalmente, Dias de Blumer não tem nada a ver com Baque Solto, enveredando por uma praia mais pop-rock. “Não se trata de uma recriação do Baque Solto”, comentou Edu A. com a reportagem. “Ele é um disco de rock com uma pegada nordestina, muito diferente do disco de Lenine e Lula Queiroga”.
Edu prossegue: “Não se trata de uma homenagem à Baque Solto, mas às pessoas que fizeram parte do disco. Essas pessoas têm uma significado especial de amizade, do amor que um tem pelo outro”.
As letras endossam a “ode ao amor e uma homenagem à amizade”, como citou Edu. “São canções que celebram o amor, a sedução, a conquista, o desfrutar de uma vida a dois cujo espírito se reflete em imagens recorrentes nas músicas: o sol, o vento, o mar, o ar livre, o céu e as estrelas, como em ‘Junto com você’ e na ‘Toada do Mar’, última faixa do disco, e uma espécie de síntese de suas intenções”, escreveu Braulio Tavares, no release de divulgação do CD.
Comentários