CULTURA
Incansável Chico Buarque
Produtivo, criativo e versátil, Chico Buarque chega aos 70 anos em Paris, onde se dedica à conclusão do seu novo romance.
Publicado em 19/06/2014 às 6:00 | Atualizado em 31/01/2024 às 17:21
Chico Buarque está em Paris, onde costuma se refugiar quando quer escrever um livro. Sim, ele está lá porque está concluindo um novo romance, a ser lançado pela Companhia das Letras até o final deste ano. E é na França onde ele vai celebrar seus bem vividos 70 anos, 50 deles dedicados à música, ao teatro e à literatura.
Aos 70, Chico se mantém produtivo, criativo e versátil. Em 2011, lançou um disco de inéditas que arrancou elogios. No ano seguinte, excursionou pelo país e, em 2013, deu início ao seu quinto romance, mostrando que se foi o tempo em que septuagenário era o vovô e reafirmando que 70 é o novo 40.
Enquanto Chico está na França, o Brasil celebra o aniversariante. São peças, filmes e reedições de seus discos que enaltecem um artista fundamental para a música moderna brasileira, um dramaturgo contestador e um romancista de talento, ratificando a perenidade de sua obra.
Essa obra parte de um homem muito inteligente, com alto grau de sensibilidade e observação da vida, como coloca a jornalista carioca Regina Zappa, autora de quatro perfis biográficos fundamentais sobre Chico Buarque. “Com esses quatro livros, eu pude me aproximar dele, conhecer a pessoa”, comenta a autora, por telefone. “Ele não gosta de ser encarado como ídolo, não tem essa postura de grande artista. Ele é muito sério com o trabalho dele, mas dentro de uma normalidade. Ele gosta mesmo é de caminhar na rua e jogar futebol”.
Chico é o sujeito que leva a sério seu trabalho, mas por trás do artista há um sujeito bem-humorado. A antológica capa de seu primeiro disco, Chico Buarque de Hollanda (1966), é o retrato desse artista, que aparece duplicado, taciturno à esquerda e sorridente à direita – capa que já rendeu inúmeros ‘memes’ na internet.
“Chico harmoniza muito bem o artista e o homem”, comenta Regina. “Ele é um homem simples, muito inteligente, de um humor acurado, mas você não precisa ter uma conversa de alto nível com ele. Ele gosta das coisas simples, de futebol, do dia a dia”.
Ao longo de meio século de carreira, Chico cantou o Brasil, suas mulheres, seus trabalhadores, seus perseguidos políticos.
Cantou também para as crianças, fazendo discos (e livros) infantis. Foi uma figura de resistência importante, dando dribles fantásticos no regime militar.
Para o professor Rinaldo de Fernandes, organizador de duas antologias importantes sobre a obra do músico e escritor, Chico surgiu numa era de festivais extremamente politizados, dando um recado claro que canalizava a indignação da juventude da época.
“Era uma juventude muito consciente, muito reivindicadora, que queria uma MPB mais engajada com as causas sociais, e identificou no Chico uma linguagem mais direta, como a identificou também no Geraldo Vandré com ‘Prá não dizer que não falei das flores’, que era uma canção que dava um recado direto à ditadura. Era isso que aquela juventude mais pragmática queria. Uma juventude que não entendia a linguagem mais sofisticada da tropicália naquele contexto inicial”, reflete Rinaldo.
Chico Buarque também encarou a ditadura no teatro, escrevendo peças como Roda Viva, Calabar, Gota d´Água (com o paraibano Paulo Pontes) e Ópera do Malandro, levadas ao palco entre 1968 e 1978, anos de chumbo grosso no país. Já perto dos 50 anos, passou a se dedicar a romances que se tornaram consagrados por crítica e público.
O CRIADOR
A grande marca de Chico, na avaliação de Regina Zappa, é a do criador. “Mais do que tudo, é a paixão que ele tem pela criação, fruto da imaginação e da sensibilidade dele. Ele inventa as histórias, as músicas e os livros a partir da sensibilidade de observar a vida fora dele, junto com o que ele carrega consigo, sua formação. Chico consegue misturar muito bem tudo isso”, comenta a autora de Chico Buarque - Para Seguir Minha Jornada (Nova Fronteira). “Chico consegue sentimentos profundos de uma forma simples, essa é uma característica do trabalho dele”, arremata.
Para Rinaldo de Fernandes, o letrista, o dramaturgo e o romancista se afinam pela base da palavra. “Chico Buarque é mais conhecido como letrista, mas ele é um grande dramaturgo. Isso aí os críticos já disseram. Para Antônio Cândido, o maior crítico literário do país, Chico é um dos melhores romancistas em língua portuguesa”, lembra.
Em Chico Buarque do Brasil, antologia organizada pelo professor Rinaldo e lançada em 2004, pela Garamond, Antônio Cândido analisa a produção do carioca: "Como compositor (de textos e de melodias), denota essa coisa rara que é sobranceria em relação às modas (...). Como homem de teatro, poucos foram capazes, como ele, de fundir harmoniosamente a maestria artística e a consciência social (...) sempre na linha da melhor orientação política. Para coroar, a surpreendente vocação ficcionista, que revelou um dos melhores praticantes do gênero no país”.
No ano passado, sem música, peça ou livro, Chico Buarque voltou à mídia numa atrapalhada defesa pela manutenção dos artigos 20 e 21 do Código Civil, que proíbem a divulgação de informações pessoais sem a autorização do personagem em questão.
Essa defesa não surpreendeu a biógrafa, que entendeu a razão do artista em se unir ao grupo. “Eu acho que Chico teve algumas experiências negativas com a imprensa, inclusive guarda uma certa mágoa de certas acusações por parte de alguns órgãos da mídia, de deturpações que fizeram de algumas falas dele, então ele ficou com o pé atrás em relação a exposição de sua privacidade. Não acho que a atitude de Chico se referia à censura, mas foi uma postura de quem não quer que essas coisas se repitam”, defende a jornalista.
De acordo com a assessoria de imprensa do cantor, compositor e escritor, Chico Buarque não tem planos musicais para 2015.
Vai acompanhar de perto as traduções do seu novo livro para outras línguas, que costuma ter versões em francês, inglês, italiano e espanhol - línguas que ele domina bem.
POUCOS SHOWS NA PARAÍBA
Em quase 50 anos de carreira, Chico Buarque só esteve quatro vezes na Paraíba: duas em João Pessoa, ambas na segunda metade dos anos 1960, e duas em Campina Grande, já nos anos 1980.
Reza a lenda que foi nos primeiros meses de 1967 que Chico Buarque fez seu primeiro show em João Pessoa. Tinha pouco mais de 20 anos e já se tornara famoso com 'A banda', vencedora, em outubro ano anterior, do II Festival da MPB (prêmio dividido com ‘Disparada’, do nosso Geraldo Vandré).
A fina nata da sociedade paraibana, intelectuais e formadores de opinião se acomodavam nas cadeiras do Jangada Clube para ver a estreia do jovem músico carioca de olhos claros que vinha conquistando fãs em todo o país, e que acabara de lançar Chico Buarque de Holanda (1966) respaldado por ‘A banda’, ‘A Rita’, ‘Pedro pedreiro’ e ‘Olê olá’.
Chico subia ao palco na companhia de Toquinho (cuja parceria, em música, tivera início em 1965 com ‘Lua cheia’), mas os litros de whisky que entornara antes da apresentação não o deixavam seguir o roteiro, transformando o show em um grande fiasco.
Quem lembra bem dessa noite é o professor universitário Silvino Espínola, levado ao show pela amiga Lourdinha Maia, filha do então governador da Paraíba, João Agripino Maia. “Meu primeiro contato pessoal com Chico foi quando, de um tropeção, visivelmente bêbado, ele entrou no camarote onde nós estávamos, perguntando: Por onde é que eu chego ao camarim? Atrás dele vinha Toquinho, rindo! Essa é a primeira lembrança que eu tenho de Chico”, recorda o professor Silvino.
Muito provavelmente no ano seguinte, 1968, Chico voltaria a João Pessoa e dessa vez iria se redimir com o público paraibano. Com Toquinho e uma banda completa, ele se apresentava no Clube Astréa, cujo ginásio acabara de ser inaugurado, em show sem grandes atropelos.
Vinte anos depois, o autor de ‘A banda’ voltaria à Paraíba, dessa vez com uma única escala em Campina Grande. Era 28 de agosto de 1987 e Chico Buarque havia muito não excursionava. Subiria ao palco do Spazzio com Fagner e a cantora paraibana Cida Lobo, que lembra daquela noite.
“Tinha gente de todo o Nordeste naquele show, afinal fazia muito tempo que Chico não fazia uma turnê”, recorda Cida. “Eu abri aquele show cantando músicas de Lenine, Lula Queiroga, Alex Madureira, Ivan Santos e, ao final, cantei ‘Vida’ (do álbum homônimo, de 1980), antes de anunciar Chico ao palco, deixando todas as mulheres com inveja”, brinca a cantora.
Em 28 de abril de 1989, Chico Buarque voltaria a Campina Grande mais uma vez, para o mesmo Spazzio e na companhia do mesmo Fagner. Mas dessa vez, outro grande nome da MPB se juntava à dupla: Paulinho da Viola. Foi a última apresentação do aniversariante na Paraíba.
70 ANOS EM GRANDE ESTILO
Em Paris, Chico conclui seu novo livro, o sucessor Leite Derramado (2009). O título da obra ainda não foi divulgado, mas a previsão é que saia até o final do ano pela Companhia das Letras.
João Falcão, que trabalhou com Chico em Cambaio, vai retomar A Ópera do Malandro (1978) em uma nova montagem que, segundo ele, será nos moldes de Gonzagão, A Lenda (que veio a Campina Grande em abril).
Velho parceiro de Chico Buarque no cinema, Miguel Faria Jr quer aplicar a estética de seu Vinicius (2005) em um filme sobre o aniversariante, com talentos da nova geração cantando músicas de Chico. A previsão é chegar às telas em 2015.
Já Cacá Diegues, que fez Chico Buarque ator em Quando o Carnaval Chegar (1972), vai levar às telas O Grande Circo Místico, musical fruto de uma parceria entre Chico e Edu Lobo.
A comédia Os Saltimbancos Trapalhões (1981), inspirado no musical Os Saltimbancos, vai fazer o caminho inverso: do cinema, vai para os palcos com Renato Aragão e Dedé Santana e produção assinada pela dupla Charles Möeler e Claudio Botelho, a mesma que roda o país com Todos os Musicais de Chico em 90 Minutos.
A Universal Music reedita, este mês, a caixa De Todas as Maneiras (foto), que reúne os 22 primeiros discos de Chico em CDs remasterizados, encartes originais reproduzidos e ainda um valioso estojo triplo com raridades, além de um libreto que comenta álbum a álbum.
Além disso, a Universal disponibilizou esta semana, no iTunes, os discos de Chico Buarque que pertencem ao seu acervo. Destes, quatro ganharam masterização especial para o iTunes (com o selo MfiT, 'Mastered for iTunes'): Construção (1971), Chico Buarque & Maria Bethania (1975), Meus Caros Amigos (1976) e Chico Buarque (1984).
A série de 12 DVDs produzidos por Roberto Oliveira em 2004 sairá em blu-ray já a partir de julho. Cada blu-ray (duplo) terá dois programas. A primeira leva tem Meu Caro amigo, Anos Dourados, A Flor da Pele e Saltimbancos.
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