CULTURA
Jackson do Pandeiro, o menino pobre que virou rei tendo a mãe como inspiração
Artista completaria 100 anos de nascimento neste sábado (31).
Publicado em 31/08/2019 às 7:00 | Atualizado em 01/09/2019 às 10:39
Negro, de uma família pobre, com baixas expectativas, como muitos, mas que se tornou um Rei, como poucos. Essa é a história de José Gomes Filho, que viu que tinha muito Zé na Paraíba e se transformou em Jackson do Pandeiro, hoje reconhecido como um dos maiores nomes da história da música nordestina. Se a realeza não veio de berço, a verve artística de Jackson veio. O pai de Sebastiana, que completaria 100 anos neste sábado (31), teve na mãe, Flora Mourão, a maior inspiração para entrar no mundo da música.
Jackson nasceu na zona rural de Alagoa Grande, na região do Brejo da Paraíba. O pai era o oleiro José Gomes, conhecido como Zé Preto. A mãe era Flora Mourão, uma mulher que pode ser considerada à frente do seu tempo. Natural de Timbaúba, em Pernambuco, ela chegou ao município paraibano ainda adolescente. Foi parar lá com um grupo de coco no qual se apresentava na região, conheceu Zé Preto e se casou. Além de Jackson, ou José Gomes Filho, o casal teve outros dois filhos, Severina e João.
Flora tocava em feiras, batizados e casamentos na região. E através da arte ajudava no sustento da família. Ela dividia a chefia familiar com o marido Zé Preto, que não gostava do lado artístico da esposa, mas respeitava.
Encanto com a arte da mãe
Já o menino José acompanhava as apresentações e era encantado pelo trabalho da mãe. As rodas de coco de Flora Mourão criaram uma consciência artística no filho primogênito e foram fundamentais para a formação dele como músico. Nestes momentos ele começou a memorizar os passos e as batidas do coco.
E foi exatamente ao lado da mãe que José ou Jack, como os amigos chamavam - já que ele gostava de imitar o astro dos faroestes Jack Perrin - estreou como artista. Um zabumbeiro do grupo de Flora adoeceu e faltou à apresentação. José tocou no lugar dele. O menino tinha apenas nove anos. Era o primeiro passo da carreira daquele que mais tarde seria chamado de Rei do Ritmo e ficaria marcado por um outro instrumento, que adotaria como sobrenome.
"O que se sabe sobre Flora é muito pouco, mas o suficiente para a gente entender como Jackson chegou a ser o que foi, tendo ela como base. A influência veio dela. Como Januário influenciou Luiz Gonzaga, Flora Mourão influenciou Jackson de forma penetrante”, afirma o jornalista e biógrafo de Jackson do Pandeiro, Fernando Moura.
Filho de rainha é rei
Antes do reinado de Jackson, Flora reinou. Ela foi considerada uma das mais respeitadas coquistas da região, entre o final da década de 1910 e 1930. A cantora se afastou das apresentações após o nascimento do terceiro filho, João. Pouco tempo depois, Zé Preto morreu e a família começou a enfrentar dificuldades, chegando a passar fome. Flora então decidiu ir embora com os filhos para Campina Grande, buscando uma melhoria de vida.
“Eles tinham familiares em Campina Grande e decidiram se mudar, mas foram a pé, demoraram quase uma semana para chegar”, destaca Fernando Moura.
Flora não viu o sucesso de Jackson
O ano era 1931. José Gomes filho tinha apenas 11 anos, a irmã Severina, 6 anos, e João, apenas um. Em Campina Grande, o lado artístico de José afloraria de uma vez por todas. Mas ele também precisou trabalhar pesado para sustentar a mãe e os irmãos. O futuro Rei do Ritmo foi servente de pedreiro, pintor de paredes, limpador de fossas e ajudante de padeiro. Ele também ganhava algum dinheiro como baterista em casas noturnas. Nessa época era conhecido como Zé Jack.
Em 1937, a mudança definitiva. Trabalhando numa padaria, durante o carnaval um grupo passou cantando. Jackson foi atrás e viu que o queria de verdade era manter o legado de Flora como artista.
Já acompanhado do Pandeiro, José, ou Zé Jack, fez carreira em Campina Grande até 1944, ano em que se mudou para João Pessoa. Na capital paraibana ele passou a integrar a Orquestra Tabajara.
Flora Morreu em 1946 sem ver o sucesso do filho, que viria sete anos depois. Já em Recife, fazendo parte do elenco da Rádio Jornal do Commercio, José ganhou o nome que lhe consagraria. Virou Jackson do Pandeiro por ideia de um diretor da emissora, que achou o nome mais sonoro e melhor para o marketing.
'Sebastiana', improviso e sucesso
Em 1953, Jackson lança a música 'Sebastiana', de autoria de Rosil Cavalcanti, em um programa de rádio na capital pernambucana. O lançamento foi meio de improviso, pois o Rei do Ritmo estava preparado para apresentar outra música. O produtor do programa pediu que ele mudasse em cima da hora e meio que evocou a figura de Flora no pedido. “Você vai cantar aquele negócio que 'cê' canta, aqueles 'coquinho', do tempo da sua mãe”, revelou o próprio Jackson ao relembrar o pedido no programa 'Ensaio', da TV Cultura, nos anos 70.
O som acabou alavancando o nome do paraibano. No mesmo ano, ele é contratado pela gravadora Copacabana e lança o primeiro disco que, além de 'Sebastiana', tinha 'Forró em Limoeiro'.
Jackson estourou com o ritmo da mãe, mas não passou só por ele. Muito pelo contrário. Passeou pelo forró, samba, baião, frevo e outros.
Mãe e inspiração
Além de ser inspiração, Flora também foi homenageada por Jackson em algumas músicas. Em 'Xexeu da Bananeira' ele relembra as apresentações artísticas da mãe. A composição tem versos como 'Ô Menina bonita, formosa, brejeira/Que só sai de casa para fazer a feira/Arrastando a saia, levanta poeira'.
Em 'Verdadeiro Amor', Jackson fala do sentimento por ela. 'Mãe é o grande tesouro/Cheio de sublimação/ O segundo nazareno/Na história do perdão', é um dos trechos do samba.
Flora se fazia presente
Jackson morreu em 1982, vítima de embolia pulmonar, em Brasília. Ele teve uma carreira de altos e baixos e gravou mais de 100 discos. Inspirou e até hoje inspira artistas, nomes como Gilberto Gil, Alceu Valença, Geraldo Azevedo e muitos outros beberam na fonte do que foi produzido por aquele menino pobre que foi a pé de Alagoa Grande para Campina Grande e se tornou rei. "Jackson é um pilar, se a gente for pensar na música brasileira, popular, ele é um dos alicerces", afirma o cantor pernambucano Lenine.
Por mais que Flora Mourão, a maior inspiração, não tenha visto o filho se tornar o músico que se tornou, Jackson nunca esqueceu da mãe durante o seu reinado. Até o último show que fez, Jackson levou na mala um vestido branco que Flora usava nas apresentações com o grupo de coco. "Mais que uma mestra, ela foi a fonte inspiradora (..). Mais que uma mãe, foi um ícone", ressalta Fernando Moura na biografia de Jackson.
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