CULTURA
João Gilberto faz 85 anos, mas muitos ainda não o entendem
Inventor da Bossa Nova faz aniversário nesta sexta-feira (10). O JORNAL DA PARAÍBA explica a arte de João e indica os melhores discos.
Publicado em 09/06/2016 às 18:00
João Gilberto (em caricatura de William Medeiros) ouviu Orlando Silva, os sambistas do Rio e os sambas de Caymmi. Ouviu Chet Baker, estrela do cool jazz, artista de canto intimista que, para os americanos, está longe de ser tão importante quanto João é para os brasileiros. Antes da Bossa Nova, sua voz era como a dos cantores antigos. Em 1958, na gravação de “Chega de Saudade”, registro inaugural da bossa, já tem a contenção que adotaria dali por diante, junto à originalíssima batida do violão. E tem o diálogo entre os dois elementos. Voz e violão, em avanços e recuos que embutiam uma revolução. A música brasileira pós-João atesta. O mundo reconhece.
Há um intervalo entre o período em que João integrava um grupo vocal de samba e o instante em que participa, em duas faixas, do disco “Canção do Amor Demais”, de Elizeth Cardoso. Naquele intervalo, inventou a batida da bossa e adotou um jeito de cantar diferente de tudo o que se fazia no Brasil. Com Elizeth, acompanha a intérprete, ao violão, mas falta a voz e o casamento dela com o instrumento. É o que se ouve, pouco depois, no 78 rpm que traz “Chega de Saudade”, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, arranjada por Tom. A voz e o violão de João, elementos indissociáveis. Uma gravação de dois minutos. Um corte: o antes e o depois daquele disco.
A essência da invenção de João Gilberto está nos três discos que gravou na velha Odeon entre o final da década de 1950 e o início da de 1960. A releitura dos sambas anteriores à bossa, um pouco de Dorival Caymmi, algo de Ary Barroso e muito dos seus contemporâneos, sobretudo Antônio Carlos Jobim.
Samba reinventado
A batida que João criou é a síntese do samba e a sua reinvenção. A utilização dos baixos desaparece para dar lugar a uma mão direita que percute o ritmo, enquanto a esquerda oferece acordes dissonantes num refinado desenho harmônico. A execução ilude o ouvinte: ela parece simples, mas é muito complexa. A voz nem sempre se deixa guiar pelo instrumento que a acompanha. Ora está adiantada, ora atrasada, às vezes os dois se encontram. É misterioso, preciso, perfeito. É necessário entender este diálogo para que não se incorra no erro de diminuir o artista.
Os três primeiros discos na Odeon, o encontro com o saxofonista Stan Getz (em “Getz/Gilberto”), o LP de capa branca e “Amoroso” são os melhores registros da sua arte sofisticada, retratos de um país sonhado e não do Brasil real. Por isso, muitos ainda não compreendem o som e o silêncio produzidos por João Gilberto.
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