Nelson era severo, diz Sonia Rodrigues

Nelson Rodrigues, o quinto de uma estirpe de 14 filhos, deixou também uma prole extensa. Foram seis: Jofre, Nelson, Maria Lucia, Paulo César, Sonia e Daniela.

Sonia Rodrigues é uma das quatro que nasceram fora de seu casamento com Elsa Batalha Rodrigues.

Na entrevista a seguir, a escritora (autora de Nelson Por Ele Mesmo, biografia publicada no início do ano pela editora Nova Fronteira) confessa que a relação dos dois foi marcada pela pressão que o pai sofria para que não gastasse dinheiro com os filhos de fora do primeiro casamento.

Organizadora do site www.nelsonrodrigues.com.br lançado na web ano passado, Sonia fala ainda sobre o centenário e as lembranças íntimas que se alternam entre a ternura de um passeio no parque e a severidade de um homem marcado pelas tragédias.

Entrevista

JORNAL DA PARAÍBA - Hoje vivemos um patrulhamento do 'politicamente correto'. Como a senhora acha que seu pai se comportaria nesse contexto? As ideias dele ainda torcem o nariz destes 'patrulhadores'?
Sonia Rodrigues - Acho que ele sempre foi muito incompreendido, mas tenho certeza de que a incompreensão fica obsoleta quando alguém assiste a uma peça ou lê um conto, uma crônica do meu pai e se espanta com a lucidez, a precisão, a empatia que estão ali presentes. Hoje, eu encontro gente jovem que leu meu pai pela primeira vez e me diz: “ele pensa como eu penso, sente como eu sinto”. Quer dizer, ele estava à frente do seu tempo.

- A senhora está acompanhando os eventos em comemoração ao centenário de Nelson e as matérias que estão saindo na imprensa? O que acha da tônica assumida por eles?
- O centenário é uma oportunidade de que o público, os fãs, os artistas tenham acesso à visão do próprio autor sobre sua obra. Acredito que isso vá causar impacto e vá possibilitar novas luzes, novas discussões sobre o que ele escreveu.

- Há algum projeto concreto, fora o site, para manutenção do acervo de Nelson?
- O que posso dizer é que este ano vai acontecer muita coisa. Exposições em São Paulo, Recife, Rio. Mostras de teatro do país todo, ampliação do portal www.nelsonrodrigues.com.br, numa abordagem transmídia, possibilitando a interatividade com os fãs.

- Tem alguma observação a fazer sobre as adaptações da obra dele? Alguma lhe interessa em particular?
- Acho que uma contribuição importante de Nelson Rodrigues por ele mesmo são justamente os comentários do meu pai sobre como as peças foram feitas, o que elas significaram para ele, como foi a recepção do público e da imprensa. A partir de agora encenadores e atores terão mais uma fonte para construir os espetáculos: o próprio Nelson.

- Podia contar alguma lembrança que nos revele o homem por trás do mito?
- Comigo ele era muito severo, não bruto, severo, rigoroso, exigente. Nossa convivência foi muito prejudicada pela pressão que era feita sobre ele para que não gastasse dinheiro com os filhos fora do casamento, para que não desse atenção aos filhos não oficiais. Apesar dessa pressão, eu guardei dele a imagem de um homem que tentava corrigir a injustiça terrível feita contra a minha mãe e contra nós e nem sempre conseguia. A lembrança mais terna que eu tenho do meu pai foi de um passeio que fizemos ao Parque Guinle, quando éramos pequenos. Tem outra. Eu mostrando uma redação minha, ele tomando uma média no bar na Rua Tenente Possolo, perto do Jornal dos Sports.