CULTURA
O 'Abraçaço' de Caetano
Aos 70 anos, cantor e compositor Caetano Veloso festeja a vida e exorciza tristezas em 'Abraçaço', encerrando um ciclo de três discos.
Publicado em 15/12/2012 às 6:00
Ao se associar à Banda Cê, há 6 anos, Caetano buscava dialogar com um público mais jovem e antenado, tal qual o público jovem e antenado que comprou o Tropicalismo e abraçou sua carreira, assim como abraçou Gil, Tom Zé, Gal, Mutantes e tantos outros.
Caetano, com habilidade, sempre soube dialogar bem com esse público ao longo de sua carreira, moldando-se a cada onda, a cada movimento, a cada gosto e a cada timbre. Aos 70 anos, encerra um ciclo de três discos “Cênsacionais”.
Abraçaço (Universal Music, R$ 29,90) é o nome do desfecho dessa trilogia. O título é um neologismo que Caetano costuma utilizar para finalizar seus e-mails e partiu de expressões como ‘golaço’, ‘filmaço’... “‘Abraçaço’ é o mais lindo porque há a repetição do cê-cedilha. Parece um eco, um reverb verbivocovisual”, explicou o músico via Twitter.
Caetano estreou ao lado do guitarrista Pedro Sá, do baixista Ricardo Dias Gomes e do baterista Marcelo Callado em Cê (2006), utilizando-se do rock indie dessa turma (Ricardo e Marcelo, inclusive, integram a banda carioca Do Amor, conceituada no meio). Mas se a Cê levou Caetano ao "transrock", o baiano levou seus jovens comparsas ao "transamba" em Zii e Zie (2009).
Agora faz o disco mais plural dos três, embora repouse sobre ele um véu melancólico. Em Abraçaço, Caetano exorciza lembranças, mágoas e tristezas, mas também festeja a vida, como em ‘Parabéns – Caetano Veloso e Mauro Lima’, um e-mail de feliz aniversário que o diretor de Meu Nome Não é Johnny enviou para o baiano, transformando-o num animado “transaxé”, cantando em loop os votos “Tudo mega-bom, giga-bom, tera-bom”.
BOSSA NOVA E MMA
O rock (ou “transrock”) embala as duas primeiras músicas de um repertório de 11 faixas: ‘A Bossa Nova é foda’ e a faixa-título. Na primeira, sob uma base robusta e um riff insistente, Caetano brinca com seus enigmas e deve se divertir pacas com as múltiplas interpretações que dão para suas letras.
A faixa é a que relaciona João Gilberto (chamado, na canção, de “o bruxo de Juazeiro”, ao lado do ‘louro francês’, certamente o executivo André Midani, responsável por lançar a Bossa Nova em disco) com ídolos do vale-tudo nacional, como Rodrigo Minotauro,Vítor Belfort e Anderson Silva.
Estaria Caetano fazendo referência à paixão do pai da Bossa Nova por lutas? Ou apenas querendo dizer que o Brasil exporta tantas estrelas do MMA quanto a Bossa lançou músicos brasileiros no exterior? Ou, como já deixou a entender, estaria relacionando a música do banquinho-e-violão à ferocidade das disputas no tatame? Isso é Caetano a caetanear...
A canção ‘Abraçaço’ é bem mais roquenroll, apesar da levada reggaeira. A mágoa que Caetano derrama em versos como “Tudo que não deu certo / sei que não tem conserto / meu silêncio chorou, chorou” encontra eco no solo distorcido de Pedro Sá, coprodutor do disco ao lado do filho de Caetano, Moreno.
A faixa é a antessala da depressiva ‘Estou triste’: “Estou triste, tão triste / E o lugar mais frio do Rio / É o meu quarto”, canta Caetano sobre um violão monocórdio, que também não dispensa um solo lamurioso de Pedro. Embora tenha como tema a morte, ‘O império da lei’ quebra a melancolia com referências diretas ao Pará, de onde os arranjos extraem a guitarrada e o carimbó que embalam a faixa.
COMUNISTA
A melancolia também dá o tom à épica ‘Um comunista’, a tão falada canção de oito minutos que Caetano fez em homenagem a Carlos Marighella (1911-1969). Em um ano em que o guerrilheiro foi lembrado no cinema (Marighella, de Isa Grinspum Ferraz), em livro (Marighella: O Guerrilheiro que Incendiou o Brasil, de Mário Magalhães) e teve sua anistia post mortem oficializada pelo governo brasileiro, Caetano registra sua visão sobre a biografia do conterrâneo.
Na letra, o músico evoca a famosa capa da revista Fatos e Fotos que, em 1969, trazia as primeiras imagens de Gil e Caetano no exílio, sob a manchete ‘Marighella: A morte do terrorista’, noticiando o filme do guerrilheiro comunista pelo regime militar.
“O baiano morreu / Eu estava no exílio / E mandei um recado / Eu que tinha morrido / E que ele estava vivo / Mas ninguém entendia / Vida sem utopia / Não entendo que exista / Assim fala um comunista”, canta Caetano no disco novo, fazendo referência a carta que mandou, à época, ao semanário carioca O Pasquim, em referência à morte de Marighella.
No geral, Abraçaço é um bom disco. Talvez o melhor dos três. Há momentos inspirados que vão do Caetano clássico (‘Quero ser justo’, ‘Quando o galo cantou’) ao "transcaetano", como no transrapfunkrockmacumba ‘Funk melódico’, tudo com vistas a mergulhar num universo pop-rock-indie que vai de Ben Folds e Rufus Wainwright a Nick Cave e Elvis Costello, com muito dendê, é claro.
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