CULTURA
O mergulho do Foo Fighters
Ao documentar a cena de oito cidades americanas, quinteto produz disco afiado que traz em turnê pelo Brasil este mês
Publicado em 01/01/2015 às 8:00 | Atualizado em 01/03/2024 às 16:57
Às vésperas de chegar ao Brasil para uma série de shows, o Foo Figheters embarcou em um projeto ambicioso para celebrar 20 anos de carreira: gravar cada música de um novo disco em oito diferentes cidades dos Estados Unidos, absorvendo o astral de cada cena, do punk da capital Washington DC, ao country de Nashville.
O resultado deu origem a Sonic Highways, álbum com oito músicas inéditas – cada uma inspirada na cidade onde foi gravada -, lançado pela Sony Music (ao preço médio de R$ 24,90), e uma série de documentários exibida pela HBO e Canal Bis (que nesta quinta-feira reprisa os cinco primeiros a partir das 13h, horário local).
Na série de TV, cada faixa é destrinchada sob a direção do frontman Dave Ghrol, que já havia mostrado habilidade como documentarista em Sound City (2013). As faixas de Sonic Highway foram gravadas em Chicago, Washington, Nashville, Austin, Los Angeles, New Orleans, Seattle e Nova York. Recentemente, o vocalista disse ter cerca de 1.300 horas de depoimentos que ficaram de fora da série.
‘Something from nothing’, música que abre o CD, foi gravada em Chicago. Foi pra lá que o Foo Fighters se mudou com mala, cuia, equipamentos de gravação de áudio e vídeo e um batalhão de técnicos dispostos a conversar com celebridades locais sobre a cena da cidade (Buddy Guy, Steve Albini etc), contar a história do estúdio em que a faixa seria gravada (Electrical Audio Studios, de Albini) e ainda lançar luz sobre o convidado que a banda escalou para dar uma canja (aqui, o guitarrista Rick Nielsen, do Cheap Trick).
O roteiro é o mesmo para cada uma das oito cidades e os filmes, de aproximadamente uma hora, cada, têm por mérito resgatar figuras como o grupo Bad Brains, seminal para a cena hardcore de Washington (onde Ghrol nasceu) ou do Germs, banda punk de Los Angeles (de onde o guitarrista Pat Smear saiu), cujo vocalista se matou aos 22 anos em 7 de dezembro de 1980, vésperas do assassinato de John Lennon.
A bem da verdade, as faixas não refletem o clima musical de cada cidade. Gravada na meca do blues, ‘Something from nothing’, por exemplo, não tem nada a ver com o som de Muddy Waters, assim como ‘Congregation’ – a melhor faixa do disco - não é um country só por ter sido gravada em Nashville.
No programa que revela as qualidades da cidade que deu ao mundo Dolly Parton e Johnny Cash, Ghrol deixa claro que o Foo Fighters não poderia perder sua identidade porque os demais integrantes colocaram um chapéu de cowboy na cabeça e dedilhavam solos de música caipira.
Dessa forma, o frontman manteve controle sobre a sonoridade do novo trabalho com a ajuda do produtor Butch Vig, que fez os dois melhores discos de Dave Grohl até então: Nevermind (1991), com o Nirvana, e Wasting Light (2011), com os Fighters.
Curiosamente, o finado Kurt Cobain não gostava da sonoridade do disco que deu notoriedade eterna ao Nirvana e o fato de Vig se associar ao Foo Fighters não é mero acaso. Em 20 anos, Ghrol se tornou popstar que Cobain sempre desprezou: é midiático, comercial e completamente entregue ao showbusiness.
Mas Dave Ghrol e sua turma fizeram um bom trabalho, não só para uma parte importante da música popular norte-americana, como em disco. Menos urgente que Wasting Light, Sonic Highways prima por melodias acessíveis e letras compostas a partir dos depoimentos colhidos em cada cidade.
Há faixas com a energia apocalíptica do álbum anterior, como ‘The feast and the famine’, mas a pegada do álbum tem um tom mais relax, com faixas docilmente hard como a citada ‘Congregation’ e ‘What did I do?/God as my witness’, registrada em Austin, lar de Gary Clark Jr, que participa da gravação.
Demorou, mas o Foo Fighters, enfim, alcançou a maturidade que parecia evitar nos primeiros anos de banda, com sua sonoridade adolescente e seus videoclipes bobos. Sonic Highways é um marco na carreira do quinteto.
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