CULTURA
O sonhador da floresta
Poeta amazonense Thiago de Mello fala do seu trabalho em em prol do meio ambiente em entrevista ao JORNAL DA PARAÍBA.
Publicado em 03/07/2012 às 6:00
"O sonho nunca morre, se transforma". Foi com esta declaração que o poeta Thiago de Mello se despediu ontem da Paraíba, onde esteve desde a quinta-feira passada acompanhando o escultor Frans Krajcberg na abertura de Natureza Extrema, exposição que inaugurou a Estação das Artes, em João Pessoa.
Em entrevista exclusiva ao JORNAL DA PARAÍBA, pouco antes de sua partida, na tarde de ontem, o amazonense de 86 anos falou sobre suas próximas obras, sua luta em prol do meio ambiente e sobre os escritores com quem construiu uma história de admiração, como José Lins do Rego e Augusto dos Anjos.
"Sobre José Lins do Rego, melhor nem falar, porque eu me emociono", disse um Thiago de Mello trajado de branco com uma paz aparentemente imperturbável. "Antes de sua morte (em 1957), estive duas vezes com Zé Lins em Pilar e convivi com ele por décadas, quase que diariamente, escrevendo no jornal O Globo", completou o escritor que tem cinco cadernos preenchidos com as lembranças dos dias que passou ao lado do amigo no Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro, onde o paraibano ficou internado até o seu falecimento.
"Pretendo publicar um livro com este material mais tarde. Agora, estou organizando uma obra chamada Eu e os Outros Comigo, sobre os instantes dos quais partilhei no exterior com figuras como Albert Camus e Pablo Neruda".
No exílio, motivado pela renúncia ao posto de diplomata após as prisões dos pernambucanos Gregório Bezerra e Austregésilo de Ataíde, Mello morou em países como a França e o Chile, onde conheceu Neruda e Hortênsia Bussi, viúva de Salvador Allende, que chegou a apelar pela sua permanência no país.
"Eu me lembro de participar de uma roda de entrevistas em que ela perguntou: 'Por que você vai voltar ao Brasil onde é tão pouco querido pelos generais?'. Eu respondi, em um de meus últimos gestos verdadeiramente românticos: 'Porque vou lutar contra a ditadura'", relatou o poeta que voltou a ser preso em pleno voo de retorno à terra natal.
Foi no Chile que escreveu Os Estatutos do Homem (1977), poema traduzido para mais de 30 idiomas que prega uma verdade a qual revela não existir mais no Brasil: "Nem eu mesmo consigo descrever este homem a quem cantei e cujo artigo primeiro diz: 'Fica decretado que agora vale a verdade'. Como falar de verdade hoje em um Brasil onde o que mais se faz é mentir?".
CAMPANHA
Em visita a Sapé no fim de semana, Thiago de Mello esteve no Memorial Augusto dos Anjos celebrando o centenário do Eu: "Tive que pular a cerca para entrar no memorial e para ver o tamarindeiro debaixo do qual já estive com José Lins do Rego, Odilon Ribeiro Coutinho, Carlos Newton Júnior... Chamam de memorial algo que nem é digno do nome. Hoje eu não levaria ninguém para ver aquilo", critica, com severidade, quem rapidamente mobilizou-se por lançar uma campanha pela revitalização do Memorial Augusto dos Anjos e pela inauguração de uma placa debaixo da árvore com a transcrição dos versos do poema em sua homenagem.
"O que eu peço é muito pouco para uma obra como a de Augusto, para que ela não precise ficar em si, dependendo de editores. É preciso que os paraibanos tenham orgulho de Augusto dos Anjos e do lugar de onde ele veio".
Sobre a Amazônia onde nasceu e vive até hoje, Thiago de Mello se rende: "Sou filho daquela floresta e vou lutar por ela até a morte".
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