CULTURA
O trono está vazio
Aos 89 anos, morre B.B. King, o influente guitarrista que levou o blues para o grande público.
Publicado em 17/05/2015 às 6:00 | Atualizado em 09/02/2024 às 17:03
"Se eu faço você querer se juntar ao seu amor, então vá! Agora, há muito mais... se virem o público que está comigo, verá que alguns entendem o que eu quero dizer. E se vocês também entenderem o que tentamos fazer, eu acho que vocês terão algo que será duradouro. Vai durar muito além de B.B. King. Bem, (a guitarra) Lucille estará por aqui, pois não quero enterrá-la comigo, mas quero vê-la na sepultura”.
As palavras são do homem que nasceu com o sobrenome nobre (“rei”) e fez por merecer o título com muito afinco, talento e inteligência. B.B. King que, enfim, alcançou a paz na madrugada de ontem, foi o último de uma geração de mitos do blues e foi um dos mais importantes, responsável por levar o gênero ao grande público e ensinar novas técnicas a gerações e gerações de guitarristas, de Eric Clapton, que o chama de mestre e disse, ontem, que "não restaram muitos para tocar da maneira pura como ele tocava", a Johnny Lang, que não poupa elogios: "Ele é o único cara, ou músico de qualquer estilo, que define um gênero musical".
O músico morreu dormindo às 21h40 da quinta-feira, segundo o site oficial. Ele tinha 89 anos e sofria de diabetes tipo 2 há mais de 20 anos.
As palavras de B.B. King que abrem este texto não foram as últimas do músico. Foram gravadas há quase dez anos em um depoimento íntimo de dez minutos que incluiu nos extras do DVD Live (“vivo”, em português), lançado em 2008 pela Universal Music. Nesse mesmo ano, também sairia o último disco de estúdio de “bi”, como era chamado na intimidade: One Kind Favor (também da Universal).
O canto do cisne do bluesman também era o testamento: ao pegar o clássico de ‘Blind’ Lemon Jefferson, ‘See that my grave is kept clean’, ele suplicava aos fãs: veja se minha cova será mantida limpa, ou seja, que não cairá no esquecimento. No depoimento do DVD, ele fala sobre a canção e encerra com o recado: “Sei que deixarão meu túmulo sempre limpo. Com todo amor que eu tenho para dar, espero que tenham entendido”.
B.B. King teve uma carreira de devoção ao blues sem par no showbusiness. Por mais de 60 anos, fez shows quase que sem parar. “Por mais de 40 anos, fiz em torno de 330 shows por ano. Nos últimos cinco, cortei para 250”, informava em seu livro de memórias, lançado originalmente em 1996 e reeditado no Brasil há pouco mais de um ano pela Generale com o título B.B. King, Uma Vida de Blues.
“Alguém me disse que não existe ninguém no showbusiness que já cobriu mais quilômetros ou fez mais performances do que eu. Se for o caso, tenho orgulho. Eu o fiz porque não sabia mais o que fazer. Você não escuta muito meus discos no rádio, então tinha que chegar as pessoas por meio das performances”, recorda em um recado que soa extremamente atual.
morrer no palco
King era o tipo de artista que queria morrer no palco. Usou até a última gota de energia para levar sua música ao público, mas não do jeito que os fãs queriam. Há relatos em que nas últimas apresentações, ele pouco tocava, cantava menos ainda e passava a maior parte do tempo contando lorotas, muitas vezes desconexas - sempre com uma enfermeira de plantão.
Em 4 de abril do ano passado, o guitarrista levou uma sonora vaia durante uma apresentação em St Louis (EUA). Para um homem que era conhecido como um gentlemen, que exalava carinho e tinha amor pela música e pelos fãs na mesma medida, ser vaiado era um golpe fatal. “Eu não gostava de ser vaiado. Aquilo me deixava maluco”, registrou em sua autobiografia, em referência aos longínquos anos 1960.
“Nunca tinha sido vaiado antes. Não sabia qual era o sentimento até que as vaias atingiram meu rosto”, disse, a respeito de um festival de soul do qual participou com blues, e o público não gostou. “Nesta noite, nesta cidade em particular, o público me vaiou feio. Eu chorei”, anotou.
Seus últimos dias, entretanto, foram uma lástima: a filha, Patty King, resolveu lavar roupa suja em público ao trazer à tona a denúncia de que a empresária estava negligenciado B.B. King, com retenção de medicamento, roubo e desvio de milhões de dólares, sem que formalizasse uma acusação junto às autoridades.
E ilustrava a briga com a imagem que os fãs não precisavam ver: o rei do blues, convalescente, em cima de uma cama. A imagem, definitiva, é a que deve ficar: o sorriso largo e os olhos cintilantes de quem fez do blues, a alegria de viver.
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