CULTURA
Onda de saudosismo contagia a TV e reaproxima gerações
Canal pago faz sucesso com volta de 'Sai de Baixo' e Globo relança 'Ti ti ti'. Fãs devotados e especialistas explicam fascínio pelos programas antigos.
Publicado em 17/07/2010 às 14:01
Do G1
No cinema, os clássicos "Esquadrão classe A" e "Karate kid" disputaram semanas atrás a preferência do público norte-americano. Na música, a popstar Lady Gaga faz sucesso com suas referências a Madonna e à moda dos anos 80. Na televisão, não poderia ser diferente: o clima de saudosismo também está no ar.
Enquanto a TV aberta se prepara para receber de volta e com nova roupagem, nesta segunda-feira, a novela "Ti ti ti", nos canais fechados vem se destacando o novato Viva, da Globosat. Lançado em maio deste ano, o novo canal tem sido bem recebido pelos adeptos do “vale a pena ver de novo”, reprisando atrações atuais e outras que foram sucesso há até duas décadas.
E a onda de saudosismo que invadiu os lares dos telespectadores tem resgatado inclusive hábitos familiares que andavam esquecidos. "Hoje cada um assiste à TV no seu próprio quarto", reclama o estudante Fábio Allan, 26 anos, que passou a sintonizar no Viva para ver as novelas “Por amor” (1997) e "Quatro por quatro" (1994) ao lado da mãe, Araceli. Da mesma maneira que fazia quando criança.
“Virou uma forma de resgatar uma parte do passado”, resume. “Ela [a mãe] fazia faculdade em 1994, e gosta de ver quais atores morreram ou como outros eram magrinhos. A Lisandra Souto, por exemplo, ainda era atriz”, brinca o filho noveleiro.
Segundo a britânica Amy Holdsworth, que estuda a relação entre televisão e nostalgia na Universidade de Glasgow, na Escócia, a relação saudosista entre as pessoas e a TV é algo especial. “Ela está relacionada à forma como assistimos, geralmente com alguma rotina doméstica, como ver novelas na hora do jantar ou programas infantis depois que chegamos da escola. Tendemos a lembrar com quem assistimos, muitas vezes nem lembramos detalhes do próprio programa”, explica ao G1, em entrevista por e-mail.
O pensamento de Amy se confirma com uma breve pesquisa na comunidade do Orkut dedicada ao canal Viva, por exemplo. O público pede a volta de novelas e humorísticos antigos, como “Roqueiro santeiro” e “Armação ilimitada”, sempre por questões pessoais. O problema é que esse não é o único foco do canal, como ressalta sua diretora, Letícia Muhana.
“Nosso alvo são mães de família acima das classes A, B e C e que tenham mais de 25 anos", explica. “Os clássicos representam apenas um dos pilares da programação." Os outros “pilares” são reprises de programas novos, como o “Caldeirão do huck”, e de seriados recentes do GNT.
A voz do povo
Mas para a alegria dos saudosistas, Letícia adianta que estuda criar ações interativas dentro do site do Viva. Uma delas será escolher a programação futura, a partir de uma seleção pré-estabelecida, ou seja, o público poderá ter um canal direto para pedir aquilo que tanto reclama.
Será uma boa opção para expectadores como o professor Rodrigo Aparecido Galindo, 29, que têm o hábito de ver televisão no computador, em vídeos não-oficiais publicados pelos usuários no YouTube.
“Eu não faria isso se as novelas fossem reprisadas à noite. Por que elas passam apenas à tarde, quando todo mundo trabalha, e o ‘Mais você’ é exibido 200 vezes ao dia? Antigamente, tudo bem, o foco principal era a TV. Hoje tem mil e uma imagens acontecendo juntas”, reclama Galindo, que elogia a proposta de trazer sucessos televisivos de volta – caso não só de “Ti ti ti”, sucesso de Cassiano Gabus Mendes em 1986 na Globo, mas também do recente retorno de "Pantanal" e "Ana Raio e Zé Trovão", produções da extinta TV Manchete, à grade do SBT
Remakes e reprises, aliás, têm conceitos totalmente diferentes, como explica a pesquisadora Amy Holdsworth. “Com a competição das novas mídias tecnológicas e formas de consumo, esses são momentos incertos para a indústria da TV. Nostalgia pelos ‘tempos bons’ é uma forma segura de se trabalhar em épocas de mudança ou crise. Por isso [surge] a tendência dos remakes, que são um retorno a um formato de sucesso seguro, que trabalha com uma audiência já pré-existente”, explica.
Saudosismo x nostalgia
Leila Cury Tardino, professora associada do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), atenta para a importância de não se misturar nostalgia com saudosismo. A psicóloga explica que nostalgia traz uma ideia negativa e está ligada à perda e ao sofrimento. “As pessoas podem se refugiar no passado”, diz.
Já o saudosismo, afirma, é uma recordação sadia, ligada à conquista, uma história viva que tem significado no presente. “Em uma época em que tudo acontece tão rápido, recordar é sempre bom”, ensina.
Que o diga o dentista José Marques Neto, conhecido na internet pelo apelido de Mofo TV, mesmo nome do canal do YouTube em que ele disponibiliza um vasto arquivo pessoal de mais de 3 mil DVDs e fitas VHS de programas gravados das últimas três décadas. Por infração de direitos autorais, seu material já foi excluído do YouTube e do MySpace por diversas vezes, mas ele sempre dá um jeito de compartilhar sua coleção.
Desde os quatro anos de idade, Neto diz que gosta de recordar tudo ao que assiste para depois dividir com o mundo suas preciosidades. “Assistia a ‘Perdidos no Espaço’ com a minha avó. Tirava fotos da TV para guardar as imagens e gravava o áudio com um gravador de mão”, ri.
O inventor da Mofo TV não se lembra dos episódios que fotografava, mas, como bom saudosista, logo descobriu que as melhores reproduções eram as feitas em branco-e-preto.
Comentários