CULTURA
OPINIÃO: Alcione, Cármen e Raquel sambando na cara do povo
Jamarrí Nogueira repassa sua relação com a Marrom e pede: 'não deixem a Justiça morrer'.
Publicado em 26/08/2018 às 7:00 | Atualizado em 26/08/2018 às 12:15
O primeiro disco que escutei da maranhense Alcione foi ‘Alerta geral’, gravado em 1978. Um disco lindo, com canções – inclusive – de Gilberto Gil, João do Vale, Candeia e Sérgio Ricardo. Lembro desse LP tocando (e tocando de novo e de novo) quando criança. Esse disco tinha as seguintes faixas: ‘Sufoco’, ‘Lundu da rapariga', ‘Entre a sola e o salto', ‘Todos cantam sua terra’, ‘A profecia’, ‘Eu sou a marrom’, ‘Seu rio, meu mar’, ‘Alerta geral’, ‘Zelão’, ‘Mau negócio’, ‘A volta do mundo’ e ‘Pode esperar’.
O nível poético dos compositores responsáveis pelas canções desse disco encontra na minha percepção um nível devastador. Gente como Roberto Corrêa, Sylvio Son e Ederaldo Gentil tiveram seus versos musicados e disparados na voz e interpretação inconfundíveis de Alcione. Minhas preferidas eram ‘Lundu da rapariga, ‘Entre a sola e o salto’, ‘Eu sou a marrom’, ‘Zelão’ e ‘A volta do mundo’.
Um disco de uma artista consolidada junto à crítica e já sucesso de público. Uma Alcione de potencial vocal e altíssima capacidade interpretativa, que já havia sido consagrada com seu primeiro LP, no começo da década de 1970: ‘A voz do samba’. Dentro desse LP de estreia (que conquistou um disco de ouro) havia o sucesso que foi eternizado na voz da Marrom, a canção ‘Não deixe o samba morrer’.
'O Samba representa essa nação'
Algumas décadas mais tarde e Alcione já conta com 19 discos de ouro, dois de platina e um duplo de platina. Semana passada, a maranhense conquistou a estatueta de Melhor Cantora no Prêmio da Música Brasileira. Na edição deste ano, Alcione venceu com o disco ‘Boleros’, desbancando Amelinha (‘De primeira grandeza, as canções de Belchior’) e Ângela Maria (‘Canções de Roberto e Erasmo’).
Em junho deste ano, Alcione se pronunciou sobre o comentário do sertanejo César Menotti que, durante programa de TV, classificou samba como ‘música de bandido’. Na época, ela se disse orgulhosa por ter conhecido Cartola, Nelson Cavaquinho, Seu Aniceto, Nei Lopes, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Martinho da Vila e Jorge Aragão.
Através de postagem nas redes sociais, a sambista disse mais: “O Samba é grande. O Samba representa essa nação. O Samba é capaz de fazer a maior festa do mundo que é o Carnaval. Respeite o sambista, respeite o Samba, respeite as Escolas de Samba e uma coisa é certa... o Samba é do mundo inteiro, portanto, me respeite!".
Samba e resistência
Sim. É preciso ter respeito... Respeito porque o samba é um gênero profundamente ligado à resistência. Respeito porque as manifestações artísticas merecem respeito. Respeito porque a trajetória de Alcione (que declarou voto em Dilma Rousseff nas eleições de 2014) está relacionada a todos aqueles que já entoaram o verso ‘não deixe o samba morrer, não deixe o samba acabar’).
Segunda-feira (20), a presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, e a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, sambaram na cara da sociedade. Em vídeo postado nas redes sociais por Alcione, a ministra aparece ao lado da procuradora e da presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Laurita Vaz, cantando o refrão da famosa canção ‘Não deixe o samba morrer’.
O vídeo foi feito após a participação delas no seminário Elas por Elas, organizado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), em Brasília (DF). “Vai, Cármen Lúcia”, provoca Alcione. A presidente do STF, então, puxa o refrão e é seguida pelas demais autoridades. Raquel Dodge também é chamada a cantar. No fim do vídeo, Alcione brinca: “Estou desempregada!”.
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Cantar com Cármen e Dodge faz Alcione desafinar
Não há crime nem imoralidade no que foi registrado em vídeo. Alcione, todavia, pode colher percepções muito negativas por essas ‘parcerias’ que estrelam um momento político tão denso e pleno de atos e falas que não dialogam com a realidade... Cantar com Cármen e Dodge faz Alcione desafinar... "Não tem como medir o prazer de estar na companhia dessas mulheres incríveis! Obrigada, Ministra Cármen Lúcia!", escreveu Alcione no Instagram.
São mulheres empoderadas sim. Isso é inegável! Chegaram onde chegaram porque são extremamente qualificadas! Mas, mudando de assunto e sem deixar o mote, é importante lembrar que o poder pode ser usado para o bem e para o mal... E parafraseando a canção que é trilha do vídeo, espero que elas não ‘deixem a Justiça morrer, não deixem a Justiça acabar...’.
* Jamarrí Nogueira é repórter da CBN João Pessoa e escreve sobre cultura e arte para o Jornal da Paraíba aos domingos
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