CULTURA
OPINIÃO: 'Baseado em fatos reais' pode ser realmente ruim
Jornalista viu e reprovou ‘Solo’, filme espanhol com a história do surfista Álvaro Vizcaíno.
Publicado em 27/01/2019 às 7:00 | Atualizado em 27/01/2019 às 12:25
Tem gente que adora filmes que são baseados em fatos reais. E consegue enxergar isso como uma garantia de que o filme é de boa qualidade. Há quem fuja da realidade, mas também há quem fuja da ficção. Assim como Paulo Leminski, sempre preferi a ficção e costumo ter um pé atrás com a realidade. Quando um filme é ‘baseado em fatos reais’, já me coloco na defensiva... Porque sempre há o risco de ser estratégia barata em busca de plateia...
Por esse dias, assisti ao enfadonho e previsível ‘Solo’, um filme espanhol que pode ser visto na grade da Netflix. Baseado em fatos reais, esse longa-metragem conta uma história que aconteceu em 2014 com Álvaro Vizcaíno - um surfista madrilenho que caiu de um penhasco em uma área remota das Ilhas Canárias.
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No papel principal está o ator Alain Hernández (de ‘O fotógrafo de Mauthausen’). O desaparecimento dele dura 48 horas. Tempo o bastante para refletir sobre relações familiares e relações amorosas... Mimado, irresponsável e endinheirado, o ‘mocinho’ não tem um pingo de carisma.
O filme se passa em dois tempos: o surfista em desespero e o surfista batendo um papo com a ex-namorada (relembrando fatos que marcaram os dois). No papel da ex-namorada Ona, a atriz Aura Garrido (de ‘O aviso’). E no papel de melhor amigo – Nelo – o ator Ben Temple (de ‘A pele fria’).
Falha imperdoável
Sem risco de spoiler, posso dizer que em cinco minutinhos de filme a gente já descobre que o surfista sobreviverá à tragédia (que nem é tão trágica assim)... É uma falha imperdoável abrir o jogo em tão pouco tempo de filme. O surfista perdido entre o mar e as rochas não precisa enfrentar tubarões nem raias e nem anêmonas. Seu maior inimigo é uma... gaivota!!! Era para ser trágico, mas se torna patético.
Diretor e co-roteirista de ‘Solo’, Hugo Stuven (de ‘Anômalo’) não consegue dar ao filme um ar dramático nem à altura do que realmente aconteceu. O que resta? Monotonia. ‘Solo’ é um filme enfadonho, com atuações fraquinhas e rasteiras. O protagonista peleja, mas não consegue ser digno da torcida da plateia. Confesso que torci pela gaivota... O filme fica ainda mais chato quando tenta propor uma divagação filosófica sobre o comportamento do surfista.
Os ferimentos pelo corpo e as fraturas não conseguem fazer com que se tenha dó do surfista. Tem pouco ou nada de carisma. Para não parecer que não há nada interessante no filme, a cena da queda é mediana. Prende o espectador. Não dura mais que dois minutos... Depois disso, com o perdão do trocadilho, é somente ‘ladeira abaixo’...
Cenas desnecessárias
Há sequências e sequências de cenas que não somam absolutamente nada ao filme. Cenas de prática de surf que deveriam estar em alguma reportagem sobre o esporte, mas não em ‘Solo’. E as cenas de delírios são tosquinhas... O roteiro é frágil. Frágil demais. A direção é superficial. Superficial demais. A atuação é rasteira. Rasteira demais.
E não é porque é baseado em fatos reais! Muitos filmes com ‘fundo de verdade’ são fabulosos. Alguns são obras de arte!!! ‘Touro indomável’ é exemplo disso. Destaque, ainda, para ‘Prenda-me se for capaz’ e ‘Intocáveis’. Muitos outros poderiam ser citados. Excelentes filmes! Em nenhuma lista estaria ‘Solo’.
Esse segundo filme de Stuven (que tem o surfista Álvaro Vizcaíno como produtor associado) é um filme a ser evitado. Fuja! A não ser que você goste de filmes somente porque eles são ‘baseados em fatos reais’ e tenha a curiosidade de ver as imagens do mocinho ao fim do longa.... Fuja mesmo!!! A não ser que você tenha tempo a perder...
* Jamarrí Nogueira escreve sobre arte e cultura no Jornal da Paraíba aos domingos.
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