CULTURA
OPINIÃO: O mais importante do Museu Nacional não foi perdido
Sete dias após incêndio, Jamarrí Nogueira reflete perdas na 'instituição científica mais antiga do país'.
Publicado em 09/09/2018 às 7:00
Quatro horas de chamas e 200 anos perdidos. A noite do domingo passado (2) foi marcada por uma tragédia para a cultura e para ciência no mundo! O Museu Nacional do Rio de Janeiro perdeu um acervo de 20 milhões de itens, como fósseis, múmias, peças indígenas e livros raros. O maior museu de história natural do Brasil virou nada...
Criado por D. João VI em 1818, o museu completou 200 anos em junho deste ano. Era a instituição científica mais antiga do país, com coleções de geologia, paleontologia, botânica, zoologia, antropologia biológica, arqueologia e etnologia. Estava lá o crânio de Luzia, fóssil humano mais antigo encontrado nas Américas.
Também estava lá o trono do rei de Daomé, presente dado por um rei africano a Dom João VI e um dos primeiros itens do acervo do museu. O acervo também contava com múmias e objetos egípcios raros comprados por Dom Pedro I e Dom Pedro II, que formavam a maior coleção egípcia da América Latina.
Foi lá que a princesa Leopoldina, casada com D. Pedro I, assinou a Declaração de Independência do Brasil em 1822. Anos depois, também foi palco para a primeira Assembleia Constituinte da República, entre novembro de 1890 e fevereiro de 1891, que marcou o fim do Império no Brasil.
O acervo e a história não pertencem apenas ao Museu Nacional (que – ainda bem – tive o prazer de conhecer). Pertencem ao Brasil e ao mundo. Após a tragédia, em conversa com o professor Estevão Palitot, da UFPB, pude perceber – com mais intensidade – o tamanho da dor provocada por essa tragédia, mas também o tamanho da esperança...
‘Uma perda irremediável’
O fogo consumiu o Museu Nacional e a perda é classificada por Palitot como ‘irremediável’. Palitot lamentou a delicada situação política do Brasil e também o fato dos museus não gerarem interesse por não serem geradores de receita. Não à toa, o Museu Nacional tentou captar recursos para reforma através da Lei Rouanet, mas deu com os burros n’água...
Com a voz embargada, Estevão me falou da importância do Museu Nacional em sua formação acadêmica. Relatou ter sido orientado por um professor do museu em seu mestrado e também em seu doutorado. Participou de pesquisas. Colocou um pedaço de si mesmo naquele espaço de ciência e cultura.
Pouca coisa foi salva. Por exemplo, o Bendegó, meteorito de 5 toneladas que é o maior já encontrado no Brasil. Único item que ficou intacto após o incêndio. Parte da coleção de zoologia também foi salva. Escapou a biblioteca central do museu, outros minerais e algumas cerâmicas, assim como o herbário e o departamento de zoologia de vertebrados.
Presidentes não gostam de museu
Um contrato de revitalização do Museu Nacional foi assinado em junho, mas não houve tempo para que o projeto pudesse acontecer. A liberação da verba de R$ 21 milhões, conseguida no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES), ocorreria após as eleições para evitar sanções previstas na Lei Eleitoral.
Sabemos todos que o último presidente da República a visitar o Museu Nacional foi Juscelino Kubitschek. As verbas vinham sofrendo cortes nos últimos 15 anos. Em chamas, o museu caiu à esquerda e caiu à direita... Um golpe! Porque quando um museu pega fogo, a inteligência de um país vira cinzas.
Ainda assim, a conversa de choro embargado com o professor Estevão Palitot teve um quê de esperança. O professor da UFPB fez questão de destacar que o acervo de 20 milhões de itens – de ‘perda irremediável’ – não é o que havia de mais importante no museu Nacional do Rio de Janeiro. Porque o material mais rico do Museu Nacional é material humano. E é material humano que produz saber...
O Museu Nacional, conforme ele, também são os cursos de pós-graduação que lá são oferecidos e o saber que resulta desses cursos. O Museu Nacional, ainda conforme Palitot, é a equipe profissional. Centenas de cientistas! “E esse conhecimento não se perdeu. O Museu precisa ser reconstruído. E vai levar mais 200 anos para ser reconstruído”.
E completo a frase de Palitot: a reconstrução recomeça em outubro... Porque as chamas foram capazes de destruir peças desse quebra-cabeça da história natural de nosso país. Mas, não há labareda capaz de chamuscar nossa capacidade de refletir a respeito de nosso momento político. E reflexão é essencial para essa e outras reconstruções...
* Jamarrí Nogueira é repórter da CBN João Pessoa e escreve sobre cultura e arte para o Jornal da Paraíba aos domingos
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