CULTURA
OPINIÃO: 'O que os vermes de Machado de Assis haverão de roer???'
'Em uma cidade doente e faminta não assusta a pequena quantidade de livrarias', reflete colunista.
Publicado em 16/12/2018 às 7:00 | Atualizado em 17/12/2018 às 16:38
Fácil encontrar farmácias e pizzarias em João Pessoa. Uma em cada esquina! Tão parecidas que fazem você ter a sensação de estar andando em círculos... Em uma cidade doente e faminta não assusta a pequena quantidade de livrarias. Pior: elas estão fechando, como se estivessem sido contagiadas em uma epidemia mortal. Estão morrendo. Uma a uma...
Em outubro deste ano, depois de a Livraria Cultura entrar com pedido de recuperação judicial, foi a vez de a rede Saraiva tomar uma medida mais drástica: fechou 20 lojas espalhadas pelo Brasil. Em comunicado, a Saraiva disse que vem tomado "medidas voltadas à evolução da operação e perenidade do negócio".
Isso inclui o fechamento das 20 lojas e o fortalecimento do seu e-commerce, que hoje representa, segundo a empresa, 38,4% do negócio. A rede tinha, até o momento da divulgação do comunicado, 84 livrarias. Este ano, livrarias Fnac também foram fechadas. Houve, inclusive, protestos de funcionários, que não haviam recebido direitos trabalhistas.
Mercado frágil
Saraiva e Cultura são exemplos de como nosso mercado é frágil, frente a um nível de consumo muito baixo. Você costuma ler livros de papel? Parabéns. Você pertence a um time da extrema elite. No mínimo, é possível dizer que você pertence a um grupo muito pequeno de pessoas. Você tem amigos que costumam ler livros de papel??? Uau! Você pertence a uma casta de elevadíssimo grau!!!
As livrarias estão fechando porque não há consumo o bastante. É simples assim. Com o tempo, as redes pararam, inclusive, de renovar seus estoques. Começou a ficar impossível encontrar livros recém-lançados. O mesmo vale para CDs e DVDs. A máxima de que uma nação se faz com homens e livros passou a me deixar profundamente preocupado... O que será feito desta nação...???
Presente de Natal
Passando os olhos nas redes sociais, vejo uma proposta de campanha pela salvação dos livros e das livrarias. O poeta Lau Siqueira propõe que, neste Natal, o presente seja um livro. E a campanha vai além do período natalino. Vale para Amigo Secreto, data de aniversário, presente de casamento e até Amigo da Onça.
“Livro é opção barata. Poesia, por exemplo, é presente certeiro. A Editora Casa Verde ainda tem os meus três últimos livros de poemas. Você pode pedir por e-mail para [email protected] [email protected]”, postou o gaúcho Lau Siqueira, secretário estadual de Cultura.
E complementa a postagem sugerindo a compra de livros de outros autores que integram a cena literária paraibana: Bruno Ribeiro, Maria Valéria Rezende, Mayara Vieira, Antonio Antônio Mariano, André Ricardo Aguiar, Linaldo Guedes, Letícia Palmeira, Roberto Menezes da Silva, Sérgio De Castro Pinto, Cyelle Carmem, Bruno Gaudêncio, Marília Arnaud e Tiago Germano. “Mas tem mais, muito mais. Se quiser mais sugestões, me procure”, finaliza ele.
E se é para fazer campanha, eu pego logo é pesado! Dar um livro de presente é prova de inteligência, de quem dá e de quem recebe. Dar um livro de presente é chique! Dar um livro de presente é demonstração de apreço pela palavra e pelo desenvolvimento humano através das artes. Copiando Lau, dê um livro de presente! Porque somos humanos, não vermes!!!
Dom Casmurro
“Quando, mais tarde, vim a saber que a lança de Aquiles também curou uma ferida que fez, tive tais ou quais veleidades de escrever uma dissertação a este propósito. Cheguei a pegar em livros velhos, livros mortos, livros enterrados, a abri-los, a compará-los, catando o texto e o sentido, para achar a origem comum do oráculo pagão e do pensamento israelita. Catei os próprios vermes dos livros, para que me dissessem o que havia nos textos roídos por eles.
— Meu senhor, respondeu-me um longo verme gordo, nós não sabemos absolutamente nada dos textos que roemos, nem escolhermos o que roemos, nem amamos ou detestamos o que roemos; nós roemos.
Não lhe arranquei mais nada. Os outros todos, como se houvessem passado palavra, repetiam a mesma cantilena. Talvez esse discreto silêncio sobre os textos roídos fosse ainda um modo de roer o roído”.
O texto acima citado é, na íntegra, o capítulo de número XVII do livro ‘Dom Casmurro', do carioca Machado de Assis. Em meio a uma enxurrada de fechamentos, falências e extremas-unções de grandes redes de livrarias por todo o País, os vermes de Machado de Assis me vieram à cabeça imediatamente. O que haverão de roer? Mas, preocupar-se com isso é, provavelmente, “um modo de roer o roído”.
* Jamarrí Nogueira escreve sobre arte e cultura no Jornal da Paraíba aos domingos.
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