CULTURA
OPINIÃO: 'Porque hoje ainda é Domingos...'
'Um artista – um bom artista! – vive para sempre', acredita colunista.
Publicado em 23/09/2018 às 7:00 | Atualizado em 23/09/2018 às 11:29
Morrer é não ser visto. Partindo dessa premissa, construtores de letras e poesia levam uma imensa vantagem com relação aos demais mortais... Uma obra artística tem a capacidade de nos levar à imortalidade. Quem será capaz de afirmar que Augusto dos Anjos não está vivo...? Quem – em sã consciência filosófica – teria coragem de dizer que Elis Regina não mais vive...?
A arte está acima do conceito simplista que temos - de maneira geral – a respeito da vida. Um artista – um bom artista! – vive para sempre. Através de seu talento e de sua produção, acha o caminho da tal imortalidade. A arte é um dos caminhos para encontrar essa ‘imunidade’ contra a caetana.
O final de semana passado foi marcado pela lembrança dos dois anos da morte do ator e palhaço Domingos Montagner. Uma morte trágica, que resultou em comoção nacional. Talentoso, bonito e envolvido com a causa artística. Também diziam ser ele gente boa e generoso com os colegas de trabalho.
Quando de sua morte, lembro de ter escrito o seguinte texto: “Quando criança, visitando a biblioteca da escola onde estudava, tive acesso a uma coleção chamada ‘Lendas do Brasil’. Tal leitura rendeu saber, mas também pesadelos. Muitos pesadelos (que me renderam o medo – até hoje - dos rios e do mar)...
Por muitas noites, Nego D’água gargalhou. Mãe D’água enxugou meus cabelos. E o Minhocão me perseguiu. Personagens lendários que habitam o universo fantástico daqueles que moram nas regiões cortadas pelas águas do rio São Francisco.
O rio bebeu a vida do ator Domingos Montagner. E todos os pesadelos que já tive alfinetaram minha barriga. Fiquei triste. Senti-me em aperreio mesmo. Montagner puxado pelos cabelos pelas tais criaturas que habitaram meus pesadelos.
Santo, personagem de Montagner na novela ‘Velho Chico’, já havia sido bebido pelo rio. A vida imitando a arte redimensionou a tragédia... Deixou tudo pior (muito pior!). Aliás... as piadas mórbidas nas redes sociais é que deixaram tudo pior mesmo...
Imagino a dor da família e me afogo em uma dor solidária. Imagino a dor dos amigos de set, como os atores e atrizes paraibanos Beto Quirino, Zezita Matos, Lucas Veloso e Lucy Alves. Dor sem remédio (que nem o tempo pode se fazer tampão).
Conta-se que à meia-noite, o rio São Francisco dorme. Esse seria o momento em que as almas dos afogados se dirigiriam para as estrelas, sob o olhar atento da Mãe d’Água emergindo e enxugando os seus cabelos.
Não quero nem saber do Domingos Montagner que é ator. Penso é no Domingos que é pai, que é marido, que é gente. E torço para que, à meia-noite, ele já tenha encontrado seu lugar de calmaria nas constelações...”.
Montagner ganhou, este ano, um documentário a seu respeito: ‘Pagliacci’. A direção é coletiva: Chico Gomes, Julio Hey, Luiza Villaça, Pedro Moscalcoff e Luiz Villaça, grupo da Bossa Nova Films. O longa aborda questões filosóficas e simbólicas sobre a necessidade do homem de rir de si mesmo. Em cena, Fernando Sampaio, fundador da companhia La Mínima ao lado do ator Domingos Montagner e da mulher dele, Luciana Lima.
A sinopse de ‘Pagliacci’ destaca que o filme mostra ‘como um homem tímido fora dos palcos se transforma quando assume a persona do palhaço’. Montagner morreu em setembro de 2016, aos 54 anos. Na época, ele gravava a novela ‘Velho Chico’. Após o término de um dia de gravações na região de Canindé de São Franciso, divisa de divisa entre Sergipe e Alagoas, o ator foi dar um mergulho mas não voltou à superfície. Aliás, voltou... Melhor: permanece entre nós através da arte. Mais que isso: glissou.
* Jamarrí Nogueira é repórter da CBN João Pessoa e escreve sobre cultura e arte no Jornal da Paraíba aos domingos
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